Baronesa de Arary no número 1.745 da Avenida Paulista. Primeiro como casarão de propriedade de uma representante da nobreza imperial e, depois de 1950, como o polêmico edifício inaugurado com o discurso de abrigar pessoas de diferentes níveis econômicos, sociais e culturais.
Como vimos no post anterior, neste texto também observamos a prática de prestar uma homenagem aos donos dos casarões, que antes ocupavam o mesmo terreno, batizando com seus nomes os prédios erguidos no lugar. Este é o caso da Baronesa de Arary, mais uma mulher que se destaca como proprietária do casarão que ficava no número 1.745 da Avenida Paulista, esquina com a Rua Peixoto Gomide. Hoje, lá está o Edifício Baronesa de Arary, o primeiro – e até hoje o maior – edifício residencial da avenida símbolo de São Paulo.
Em 1916 um enorme e belo casarão branco, de três andares, foi finalizado e entregue na Avenida Paulista. Em estilo neocolonial, a mansão foi projetada pelo arquiteto francês Victor Dubugras, um dos precursores da arquitetura moderna na América Latina.
A Avenida Paulista que, naquela época, era povoada principalmente por empresários, profissionais liberais e imigrantes recebeu uma das únicas representantes da antiga nobreza imperial: a proprietária do casarão, a Baronesa de Arary.
Filha de Bento de Lacerda Guimarães, o 1º barão de Araras e Manuela de Cássia Franco, Maria Dalmácia de Lacerda Guimarães casou-se com seu tio, irmão de seu pai, José Lacerda Guimarães, o 2º barão de Arary, um grande fazendeiro da região de Araras, interior paulista. Ele casou-se em primeiras núpcias com sua prima Clara Franco de Camargo, com a qual teve nove filhos, e em segunda núpcias, com sua sobrinha Maria Dalmácia, com a qual teve cinco filhos.
A condecoração “barão de arary” ao qual foi agraciado faz referência a um título nobiliárquico criado por D. Pedro II. Portanto, ao se casar, Maria Dalmácia se tornou a “Baronesa de Arary”.
Viveu muitos anos em São Paulo, falecendo, aos 101 anos, em 11 de julho de 1952. A família imediatamente vendeu o terreno para uma construtora, que ali ergueu um enorme prédio de apartamentos residenciais que levou o nome do título da baronesa.
O Edifício Baronesa de Arary é cheio de histórias polêmicas. Com projeto do arquiteto Simeon Fichel, localiza-se ao lado do Parque Tenente Siqueira Campos, o Trianon, e quase em frente ao Masp. O imóvel, que no andar térreo tem os famosos “pilotis” que caracterizam a arquitetura moderna paulistana, possui 559 apartamentos distribuídos em quatro blocos: o Côte d’Azur, o Rajá, o Capri e o Acapulco. São 25 unidades com três quartos no bloco Côte d’Azur, 431 quitinetes nos blocos Rajá e Capri e cem apartamentos de dois quartos no bloco Acapulco, que abrigam cerca de 3.800 mil moradores.
O início das obras do Condomínio Residencial Baronesa de Arary foi conclamado nos jornais da época, que anunciavam “Aproveite estes alicerces para levantar seu lar e suas economias” (edição de 25 de setembro de 1954 do Estado de S. Paulo).
O anúncio afirmava que o imóvel estava “destinado a uma valorização sem precedentes”. Sem dúvida, nesta época a Paulista estava mudando de fisionomia. Conforme o jornal, “no lugar dos aristocráticos casarões começavam a ser erguidos os edifícios. No início vieram os prédios mais luxuosos e depois, os condomínios nos quais conviveriam pessoas de diferentes níveis econômicos, sociais e culturais, como o Baronesa de Arary. A promessa de valorização se concretizou. Até hoje a região é uma das mais nobres da cidade”.
No próximo anúncio, destaca-se a construção do edifício com a seguinte frase nacionalista: “Já começou nosso árduo trabalho para o cumprimento de um honroso compromisso: Entregar à cidade seu mais suntuoso edifício residencial: Conjunto “Baronesa de Arary”.
A história do Baronesa, como é chamado o edifício, publicada na revista Carta Capital, varia “entre brigas entre condôminos, ações judiciais, batalhas internas pelo poder, períodos de prestígio e decadência, deterioração e desapropriação, que foi contada pelo jornalista José Venâncio de Resende, no livro “Baronesa de Arary – Nobres, Pobres, Artistas, Oportunistas” da editora Scortecci, lançado em 2003.
Segundo o autor, o período de glória foi nos anos de 1960, quando virou ponto de encontro da classe teatral e centro de difusão da alta moda, graças à Casa Vogue”, que fazia encontros desfiles e mostra da alta moda.
A cobertura pertencia ao casal Walmor Chagas e Cacilda Becker, que utilizava o salão de festas para saraus, encontros artísticos e, posteriormente, um salão de debates sobre a censura imposta pelo regime militar. Também residiram lá o também ator Sérgio Cardoso, o pianista Pedrinho Mattar e Elke Maravilha.
Depois dos anos 70 o edifício caiu em deterioração, tornando-se residência de prostitutas, camelôs e bandidos, ficando conhecido como o Cortição ou Treme-Treme da Paulista. O prédio chegou a ser interditado em agosto de 1993, na gestão do Prefeito Paulo Maluf, por falta de segurança e por colocar em risco de blecaute a avenida Paulista.
Segundo o Contru (Departamento de Controle de Uso de Imóveis), que inspecionou o edifício, toda a parte elétrica do prédio funcionava com gambiarras e clandestinamente, não havia extintores e mangueiras contra incêndio funcionando, o lixo se acumulava nos corredores, não havia iluminação de emergência e os elevadores estavam desligados. Todos os apartamentos foram lacrados e os moradores, obrigados a se alojar em outros lugares. A interdição terminou apenas em 1998.
Depois disso, uma proprietária de vários apartamentos resolveu ser síndica do edifício. Realmente, os números do Baronesa de Arary são grandiosos e requerem gestão. A síndica assim permaneceu por vários anos em trocas de comando entre a família. As brigas e controvérsias também continuaram com os condôminos opositores de sua gestão.
Em 13/12/2013, a Revista Veja São Paulo publicou “tumulto em eleição para síndico termina na delegacia. Alegando fraudes, grupo de condôminos do Baronesa de Arary, na Paulista, contesta a atuação da família que se reveza no posto administrativo há mais de uma década”.
Essa nova facção que se opõem à administração do prédio, se uniu e formou um grupo nomeado de Nova Baronesa, que se manifesta por meio de um blog e uma página no Facebook.
A descrição da página diz “Desde que o Conjunto Residencial Baronesa de Arary foi inaugurado na década de 50, ele foi palco de muitas histórias e polêmicas. Em pleno século 21, continuamos vivendo um mini-retrato de Brasília aqui no coração de São Paulo. A Nova Baronesa é uma chapa criada por moradores cansados desse cenário e que acreditam em um país transparente e igualitário. Inspirados pelo grito de milhões de brasileiros nas ruas por um novo Brasil, nossa chapa marca o início de um novo tempo nesse edifício com mais de 3000 moradores e milhões de histórias para contar. Nos ajude a compartilhar e escrever essa nova história! ”
Não podíamos esquecer de mencionar que, em maio de 2011, foi inaugurada, em baixo do edifício, uma Loja Marisa, a segunda na avenida com um espaço de 1060 metros quadrados. Vejam que o portão do prédio é integrado à fachada da loja. Até hoje os moradores reclamam que a Marisa prometeu, e não fez, uma rampa no degrau que existe na portaria do edifício,
Para encerrar, mais uma curiosidade da história do Baronesa: o edifício foi tela para TCHENTCHO® , ou Mauro, que deixou sua marca lá. Ele foi um dos mais conhecidos pichadores da história da cidade de São Paulo nos anos entre 1980 e 1990. Quem lembra dessa época, vai lembra que pichação era crime e tudo era feito na calada da noite, bem na surdina. Como será que ele chegou ao topo do edifício? Mistério.
Realmente o Baronesa de Arary tem muitas histórias e polêmicas para contar, como está escrito no título deste post: “ vai da nobreza ao modernismo, da decadência às brigas condominiais”. E vida que segue.
Adorei….aprendendo ainda mais sobre a mais Paulista das avenidas!
Claudia. Obrigada. Continue lendo a série Avenida Paulista, ainda temos muitos casarões a comentar.
Obrigada, Claudia Di Lazzaro Vem mais por ai….
Muito legal…e eu que pensava que essas histórias fossem só do edifício Copam.
morei lá por 2 anos. condomínio caríssimo pra poucos funcionários e infraestrutura. muitos moradores temporários (de aluguel), alguns donos mal encarados, muito dinheiro envolvido e que ninguém sabe pra onde vai. No pouco tempo que morei, presenciei uma desapropriação… mutcho lôko.