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Monumento às Bandeiras: história, banho de tinta e eleição

Monumento às Bandeiras

Na última sexta-feira, São Paulo amanheceu com o Monumento às Bandeiras e a estátua do Borba Gato pintados de rosa, verde e amarelo. Foram diversas reportagens e milhares de comentários nas redes sociais, tanto a favor como contra, a ação dos pichadores no patrimônio público. O que se viu foi uma grande animosidade entre os que comentaram, expressando claramente um fenômeno muito atual: a polarização exagerada de posicionamento e, neste caso, vinculado à um monumento paulistano.

Entre pessoas que discutem o verdadeiro papel dos bandeirantes na história paulista, nada melhor, para este momento, do que trazer a narrativa que permeia esse patrimônio público.

De autoria de Victor Brecheret, o Monumento às Bandeiras representa muito mais que a memória aos bandeirantes e outras raças que participaram das bandeiras, como os negros e mamelucos, todos juntos, para carregar a canoa das monções.

Durante mais de 30 anos, entre a criação e a execução da obra, a figura e o significado do bandeirante mudou, de acordo com a visão política do período. A imagem do bandeirante, como ficou conhecida, começou a ser concebida por políticos e intelectuais no final do século XIX.

Na época, São Paulo já apresentava um alto poder econômico, mas carecia, frente à nação, de poder político. Para mudar essa situação, o grupo de políticos começou a escrever a história do Estado de São Paulo, com o objetivo de reforçar a relevância dos paulistas na formação histórica do Brasil. E, para isso, definiram o que, naquele tempo, seria visto como mais importante? A escolha foi ressaltar a grande a expansão do território, alargando as fronteiras paulistas e brasileiras e, por consequência, nesta narrativa, o herói, eram os bandeirantes.

Muito empenho foi colocado para que os paulistas conhecessem e se identificassem com o espírito do bandeirante. Nas escolas, nas artes, na comunicação a figura do bandeirante era popularizada. Washington Luís, que foi prefeito da cidade (1914 a 1919) e governador (1920 a 1924), planejou para a comemoração do Centenário da Independência, em 1922, a realização de muitas obras que retratariam esta figura do bandeirante, dentre elas, a realização do Monumento às Bandeiras.  Seu objetivo era enfatizar a importância de São Paulo na formação do Brasil.

Reprodução da maquete de Victor Brecheret publicada na Revista Ilustração Brasileira em 1920.

Em 1919, foi realizado um concurso que escolheria o escultor do monumento e Brecheret enviou uma maquete para concorrer. Nela, já estavam presentes as principais características do que vemos atualmente no Parque do Ibirapuera: uma obra de 50 m de comprimento, 16 m de largura, 10 m de altura e 37 figuras, enfatizando a horizontalidade de um grupo humano em marcha. Porém, a maquete da obra carregava marcas e alegorias clássicas, que comumente eram presentes nos projetos do início do século passado, como escadas, figuras humanas, plantas.

No artigo “Mito mutante”, Fabio de Souza Santos, afirma que “a obra representava os paulistas como gigantes em movimento e enfrentando desafios. Uma onda de energia num crescendo heroico impulsiona a massa dos corpos para o alto e em direção ao seu destino: a conquista do território, contribuição decisiva dos paulistas à formação da nação”.

Mas o projeto de Brecheret não venceu aquele concurso e ele, logo após, mudou-se para a Europa, voltando a São Paulo apenas no final dos anos de 1930. Durante sua ausência muito aconteceu em São Paulo, em especial, a Revolução Constitucionalista de 1932 que revigorou o mito bandeirante.

Medalhas, postais e selos emitidos na época sobrepunham figuras de bandeirantes e de soldados constitucionalistas. A intenção era que a população e, principalmente, os soldados, vestissem o mito do espírito bandeirante, como o desbravador e conquistador, para lutar pela causa constitucionalista. Assimilando essa condição de defensores paulistas, grupos de combatentes compostos exclusivamente por negros ou índios responderiam ao chamado da revolução.

Um  famoso cartaz  do movimento mostrava um soldado ao lado de um gigantesco bandeirante empunhando um anão com as feições de Getúlio Vargas.

Após a derrota da rebelião, Getulio Vargas espertamente coloca um dos líderes constitucionalistas, Armando de Salles Oliveira, no comando do governo do Estado. Neste período, monumentos “aos mortos pela constituição” foram levantados em todo o estado e um decreto é promulgado para a criação do Monumento às Bandeiras.

Os assessores do governador, Menotti Del Picchia e Cassiano Ricardo, eram próximos a Brecheret, que acaba assumindo o projeto. Porém, ao final de 1937, estando a obra quase pronta, o Estado Novo impede sua execução por que celebrava apenas o mais poderoso estado da federação. Em seu lugar, foi erguido outro monumento na cidade, em homenagem ao Duque de Caxias, um “herói nacional”.

Preparativos para a colocação do Monumento às Bandeiras em 1937, que foi abolida.

Em 1953, quando foi finalmente inaugurado, o Monumento às Bandeiras já tinha características de um monumento modernista: saíram as escadarias, as alegorias clássicas, que se reduziram apenas a um apoio para a grande escultura. Seu papel, cunhado nos anos de 1920, embora ainda forte, já tinha se diluído frente ao momento de sua inauguração.

Monumento às Bandeiras em 1953, ano de sua inauguração.

Fabio de Souza Santos, afirma que “o monumento do Ibirapuera pertence inequivocamente aos anos 1930: salta à vista a semelhança entre a figura do bandeirante e a representação do trabalhador idealizado, símbolo muito presente naquela década. Com anatomia sintetizada em sólidas e despojadas formas, a imagem do herói das Bandeiras remete ao operário atlético e ao cidadão disciplinado”.  Ou sejam ao simulacro do cidadão paulista, que foi forjado pela política da época.

Independente de como encaramos os bandeirantes atualmente, se foram desbravadores ou assassinos, vemos que essa figura foi moldada para dar sustentação política a um objetivo de engrandecer e aumentar o poder político estadual frente à nação.

E, hoje, se o monumento deixou de desempenhar seu papel cívico vinculado à memória e comemorações, o mais importante é que ele marca toda a história paulista, seja ela qual for, da existência dos bandeirantes e, principalmente, da trajetória política mais recente de São Paulo. Por fim, vale citar que o Monumento às Bandeiras constitui um belo exemplar da obra do mais importante escultor moderno brasileiro.

E, se no final, a política permeia toda nossa existência, um recado fica de toda essa polêmica: seja consciente e faça seu papel com seriedade, escolha, expresse sua opinião votando naqueles que cuidarão da cidade nos próximos anos.

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