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Série Avenida Paulista: uma série do palacete Taufik Camasmie – Parte 2

Desde a semana passada, a Série Avenida Paulista iniciou uma nova série dentro da série. Estamos contando a história do palacete que ficava quase na esquina da Avenida Consolação que pertenceu a Taufik Camasmie. A Série recebeu o nome de Palacete Camasmie e, se quiser ler a primeira parte, clique aqui.

Como já dissemos, a reconstituição desta narrativa, só foi viável pela gentil colaboração de uma descendente da família: a Marcia Camasmie Dib, neta do Sr. Taufik. O trabalho escrito por Marcia, intitulado “Produzindo o Ecletismo: estudo de um caso da avenida Paulista (1975-1985)”  descreve como aconteceu a construção do palacete, do ponto de vista dos artistas, operários e artesãos que trabalharam na obra.  Será este enfoque inusitado e de reconhecimento a todos que mostraremos hoje, com trechos originais da pesquisa de Marcia.  Vale salientar que os artesãos e seus descendentes também contribuíram com a pesquisa da Marcia, oferecendo informações e realizando depoimentos. História viva!

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Esta foto mostra parte dos trabalhadores que participaram da construção da residência. O texto de hoje é em homenagem a todos eles.

Começamos com um depoimento originário e original do trabalho de pesquisa que Demétrio Taufik Camasmie, filho do Sr. Taufik, fez à Marcia em 1987, rememorando como aconteceu o início da construção do palacete. Seu tio contou que:

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A residência da família Camasmie sendo construída.

Com essa decisão e o empenho de todos, a família resolveu fazer o melhor para a residência que duraria gerações. Os melhores fornecedores de São Paulo e até da Europa foram contratados. Existiam outros moradores árabes na Avenida Paulista e, claro, a casa dos Camasmie tinha que ser tão boa quanto a dos compatriotas. Por isso, alguns dos contratados eram comuns nas casas dessas famílias.

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A construção da casa. Vejam que, na parte de cima, uma parte da parede já está pintada e outra não. No balcão, dois filhos do Sr. Camasmie posam para a foto.

É o caso do engenheiro Malta, da empresa Malta & Guedes, de propriedade dos politécnicos formados em 1914, Francisco de Salles Malta Jr e Henrique Jorge Guedes, que também foram responsáveis pelos projetos das mansões de Nagib Salem, na mesma avenida, e de David Jafet, no bairro do Ipiranga.

Os escritórios mais reconhecidos do país foram contratados para realizarem o maravilhoso acabamento do palacete. É a história dessa preciosidade que descreveremos hoje. Iniciamos pela entrada da casa, na Avenida Paulista.

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Fachada principal da casa, o belo portão que dava para a calçada da Avenida Paulista, na qual podemos ver os trilhos do bonde, foi projeto do serralheiro italiano Frederico Puccinelli, um artífice imigrante que se tornou professor do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, pelas mãos de Ramos de Azevedo, trazendo-lhe notoriedade e reconhecimento na época. Vencido alguns degraus, chegava-se a porta principal que vemos abaixo e que foi, também, um trabalho meticuloso em ferro, realizado por ele.

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Uma das marcas próprias desta residência era o imponente mirante, que se destacava pela linda cúpula de cobre, que ganhava a cor verde, por conta do contato do cobre com o clima. Talvez seja por essa parte da casa que ela seja reconhecida por muitos de nós. Quem não se lembra dessa cúpula maravilhosa que reinava entre a Avenida Paulista e a Consolação?

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Agora imaginem lá pelos anos 1930, quem estava no mirante, tinha o privilégio de observar o horizonte, ao fundo, entremeados nas montanhas paulistanas. Consegue imaginar?

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Entremos para o interior da residência. Para melhor acompanhamento do trabalho realizado pelos profissionais, abaixo podemos ver a planta do piso principal do palacete. Várias salas, duas delas são especialmente nomeadas conforme o estilo: a sala Luis XV, na qual predominava os ornamentos dourados e a Luis XVI, uma sala de música, onde ficava o piano.

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A planta foi desenhada para o trabalho, a partir das memórias de D. Silvia Camasmie Dib, mãe de Marcia.

Nos principais ambientes sociais haviam grandiosos vitrais.

Os belíssimos vitrais eram de Conrado Sorgenicth Filho, da famosa Casa Conrado Sorgenicth, muito requisitada naquele período. A empresa foi fundada em 1889 pelo alemão Conrado Sorgenicht (1835-1901), que havia desembarcado no país catorze anos antes, depois do fim da Guerra Franco-Prussiana.

Com ele produziam-se vitrais nacionais como os que eram importados da Europa. A Veja São Paulo publicou que “Entre os anos 20 e 30, a arte em vitrais viveu seu primeiro auge na cidade. O quase monopólio da Casa Conrado se deveu, em parte, a uma parceria com o engenheiro e arquiteto Ramos de Azevedo. Além de ilustrar os vitrais do Mercadão, Conrado Filho executou as obras do Palácio das Indústrias, de 1924, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e do Hospital Beneficência Portuguesa”.

O mais magnífico dos vitrais do Palacete Camasmie é descrito pela Marcia, em seu trabalho, “como um vitral colorindo de alto a baixo, dando um aspecto deslumbrante ao aposento. Toda área social era raramente usada, somente nas ocasiões de festas”.

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A fotografia, muito antiga, deixa a desejar, mas podemos imaginar o quão belo era esse alto vitral que “recebia” as visitas da residência. Além disso, ele retomava as lembranças dos páteos internos das casas tradicionais árabes e guardava uma memorável história de família, que remetia à tradição e cultura do país de origem. Vejam que na parte superior da obra é mostrado um príncipe, montado em seu cavalo. Pois bem, Marcia conta em seu trabalho que: vitral descicao 500x154 - Série Avenida Paulista: uma série do palacete Taufik Camasmie - Parte 2

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Não é intrigante? Acontece que o Sr. Camasmie era precavido. Imagine se uma das filhas se inspirasse nesse desenho e resolvesse fugir de casa com algum pretendente. Melhor não…

No jardim de inverno mais um outro belo vitral da Conrado Sorgenicth. Ao lado dele, na casa já sem mobília, vê-se uma pintura inspirada no Jardim de Versailles, da França.

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Na sala de jantar um outro lindo vitral com motivos de flores e frutas, era adornado por lambris e a cristaleira projetadas por Domênico Penso, como se pode observar na foto abaixo. Ele foi responsável pelo projeto e construção dos móveis de madeira escura que haviam na casa.

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A casa era toda construída e decorada em estilo eclético. Muito do que se fazia na Europa era replicado no Brasil, com era o caso dos vitrais. Mas, sendo uma casa tradicionalmente síria, a cultura e decoração mourisca também era muito evidenciada nos alicerces da residência, principalmente nas paredes e nos itens de acabamento da casa.

Além dos formatos arredondados das paredes, que eram pintadas de cores vivas, o azul, verde roxo, amarelo e vermelho, nas várias pinturas, muito detalhadas, que remontam a cultura árabe. Abaixo, detalhes do balcão do piso superior, que mostram esse tipo de desenho com inspiração mourisca, como vemos na segunda e terceira foto. As faixas decorativas, pintadas no teto, eram feitas com moldes por Ernesto Frioli, autor também de pinturas do Teatro Municipal e do Palacete Rosa, construído pela família Jafet no Ipiranga. Frioli foi professor de muitos pintores brasileiros e estrangeiros.

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Ernesto Frioli fez muitas pinturas na casa, de diversas formas e estilos, destacamos abaixo a bela figura de mulher, em que o artista tentou retratar uma das filhas do proprietário.

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Outra obra prima de Frioli é a pintura inspirada no Jardim de Versailles, da França, que ficava no jardim de inverno, mostrada acima. O pintor se deixou fotografar ao lado de sua linda obra, como vemos nesta imagem abaixo, foto que provavelmente deve ter entrado para seu portfólio.  

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O projeto das portas era de autoria do marceneiro italiano Romano Guaraldi, que trabalhava e talhava a madeira com presteza. A primeira imagem mostra uma porta com duas folhas, que dava para o hall do palacete. Todas elas apresentavam trabalho delicado na madeira, que era colocado no batente de cima das portas.

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É muito impressionante a riqueza de detalhes em todos os ambientes sociais da casa. O melhor daquilo que havia disponível à época foi utilizado na construção do palacete. Os melhores artesãos foram chamados para realizar o que de mais sofisticado e belo poderia ser feito por cada um deles. A casa era uma grande demonstração conjunta dos melhores artífices, com profusão e pluralidade de trabalhos específicos e estilos ornamentais.

Hoje podemos reconhecer isso pelas imagens que restaram do palacete, mas nem sempre foi assim. O que ficou conhecido como estilo eclético, predominante naquela época e em muitas outras de nossa história, muitas vezes foi considerado pouco importante como memória. Marcia, em conversa conosco, faz uma reflexão sobre esta questão. Ela disse:

“Em relação à construção é importante comentar essa questão do ecletismo, pois na época em que decidi fazer esse trabalho, não existia interesse nem no tombamento e nem por parte dos próprios arquitetos que desprezavam um pouco esse estilo e, hoje em dia, as casas são super ecléticas. É interessante isso: um estilo que foi tão desprezado, no fundo é tão contemporâneo, porque ele reproduz essa sociedade tão miscigenada, essas várias influências das grandes cidades”.

E isso é São Paulo, não é mesmo? E era também o palacete Camasmie. Para termos uma ideia de quão diversificada era a residência da família Camasmie, vejam o recorte de quatro lustres existentes na casa: cada um deles apresenta um estilo e características próprias, com  uma perfeita execução.

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Várias cores e formas, diferentes desenhos e técnicas. A diversificação fica evidente na visão conjunta: a bela aplicação em relevo da primeira imagem, o uso do dourado no fundo branco na segunda, a inspiração mourisca, com luminária compondo o conjunto, na terceira figura e, a quarta imagem, o entalhe emoldurando a pintura delicada.

É a pura mistura que caracterizada o estilo eclético, mistura que também está em nós, paulistanos e brasileiros, únicos pela miscigenação de todas as origens de todos os continentes do planeta.  Como dizemos atualmente, o melhor é tudo junto, misturado!

O palacete Camasmie enobreceu a Avenida Paulista durante 40 anos.  É pena que ele não esteja mais lá, como um centro cultural, memória de nosso patrimônio, para que todos pudessem adentrar e visitar cada um de seus ambientes.

Apesar disso, é com grande satisfação que compartilhamos o que ainda existe de memória deste lindo exemplar de residência paulistana  de meados do século passado. Como já registramos, isso só se tornou possível pela delicadeza de Marcia que permitiu a publicação. Além dela, temos que agradecer também àqueles que nos possibilitaram ver esses registros fotográficos: Eduardo Camasmie Gabriel e Pedro Camasmie Gabriel que produziram as fotos e um álbum com todas as riquezas da casa.

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Em um lindo álbum, daqueles em que as fotos são cobertas com uma folha transparente colante, todas essas imagens  já sofrem com o tempo, pois foram tiradas a mais de 30 anos. Suas cores já estão alteradas, algumas embaçadas, mas, ainda bem, foi possível torná-las digitais para serem publicadas aqui e serem eternizadas. Que maravilha para nós, não é mesmo!

Então, no próximo domingo contaremos mais sobre a convivência familiar no palacete Camasmie. Acompanhem!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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