RAPIDINHAS

Saracura, Yorubá, Bixiga: vai, vai para a Memória.

Foto: carta capital

Dia 8 de agosto, a partir das 13:30 horas, será realizada a tradicional “Feijoada para Ogum” nas ruas do Bixiga. Caminhada pelo bairro, cantos e orações em Yorubá, seguida de uma deliciosa feijoada em homenagem a São Jorge, são as atrações do evento e iniciam a despedida da Escola de samba Vai-Vai do bairro.

Por isso este texto conta um pouco de sua a história e lembra que: quem nunca viu o samba amanhecer, vá no Bixiga pra ver! Vá no Bixiga pra ver!

A Vai-Vai abre oficialmente os trabalhos para o próximo Carnaval com mais uma edição da tradicional, saborosa e gratuita “Feijoada para Ogum”. O guerreiro Ogum ou São Jorge é uma das paixões dos descendentes de africanos e italianos que moram ou frequentam o bairro.

O encontro na pequena quadra e ruas próximas mostrará o sincretismo que embala a história da escola e do próprio bairro. A mistura está plasmada nos anos, nas ruas, nas vitórias e nas cores preto e branco do Grêmio Recreativo Cultural Social Escola de Samba Vai-Vai. Com a benção do santo guerreiro, que abre os caminhos de seus fiéis e que vence as demandas mais difíceis, a Saracura começa sua despedida do Bixiga.

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Desfile da Escola de Samba Vai-Vai em 1974 com o tema Samba, Frevo e Maracatu.

Vale do Saracura, cai-cai e vae-vae

Em 26 de março de 1724 foi noticiado que “Uma leprosa costumava banhar-se nas águas do Saracura”: a notícia é a primeira alusão registrada sobre o córrego do Saracura, que corria onde atualmente se encontra a região da Praça 14 bis e Av. 9 de julho e empresta o nome, na forma carinhosa, para a escola de samba paulistana.

Mais de 85 anos de história para contar!  Tudo começou no início do século XX. Existia um time de futebol, que gostava de tocar chorinho e que também se transformava em um grupo de foliões no Carnaval: era chamado de Cai-Cai. Eles se reuniam na Rua Marques Leão, para tocar e se divertir, e jogavam no campo do Lusitana, localizado entre as ruas Rocha e Una, espaço que ainda existe no local.

 

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O Vale do Saracura nos anos de 1910 em fotografia de Vicenzo Pastore.

Em 1928, uma turma de penetras foi apelidada pelo grupo de Vae-Vae. Depois que foram expulsos do Cai-Cai, criaram a sua própria agremiação: para o Carnaval formaram o Bloco dos Esfarrapados (que desfila até hoje nas ruas do Bixiga, nas segundas-feiras de Carnaval) e o Cordão Carnavalesco e Esportivo Vae-Vae, que foi oficializado em 1930.

O samba inaugural do Vae-Vae, do ano de 1928, era intitulado “Quem vive aborrecido distrai no Bloco Carnavalesco Vae Vae“, e o de 1929, era “O Vae Vae na rua faz tremer a Terra / Quem está ouvindo e não vê / Chega a pensar que é guerra“, ambos compostos por Henricão (Henrique Filipe da Costa) que, nos anos 1980, se tornou o primeiro Rei Momo negro do carnaval paulistano.

Vai-Vai campeã paulistana

De lá pra cá muita festa e comemoração. A partir de 1935, a Vai-Vai passou a competir em desfile oficiais e, desde então consagrou-se como a escola de samba com maior número de títulos do Carnaval de São Paulo.

Em 2015 completa 85 anos e comemorou conquistando o seu 15º título do carnaval, homenageando a cantora Elis Regina, com o tema Simplesmente Elis. Para 2016, a escola definiu que desfilará a França, com o tema “Je suis Vai-Vai, bem-vindos à França! ” E claro, como diz o samba, foi na Garraux que a Paulicéia afrancesou…Como assim?

Nos anos 1860, no centro de São Paulo, existia a Casa Garroux, de propriedade do francês Anatole Louis Garraux. A Casa e, posteriormente, livraria levou o requinte parisiense para seu interior e funcionou, majestosamente, por 70 anos nas cercanias do Largo do Rosário e na Praça da Sé. Além de livros, a casa também vendia itens de papelaria, vinhos, licores e caixas de biscoitos importados. A Princesa Isabel, em seu diário, também registrou um comentário pessoal, sobre a sua visita à Casa Garraux: “Visita à Casa Garraux, com Pedro e Luís, cheia de tentações para grandes e pequenos” – em 23 de novembro de 1884.

Uma curiosidade: seu proprietário, Garraux, foi o introdutor do envelope de correspondência na cidade de São Paulo. Durante os anos, a livraria passou por diversos donos e fechou as portas por ocasião da Revolução de 1930. E voltou, como um dos símbolos franceses do Carnaval 2016 da Vai-Vai.

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Histórias dramáticas, que se tornaram divertidas, enriquecem a trajetória da escola. Em reportagem publicada, em 2010 na  Folha de S. Paulo, ficamos sabendo que:

No começo do século XX, as fantasias e os instrumentos eram patrocinados pelos barões do café que, em troca, assinavam o “livro de ouro” do cordão Vai-Vai.

No Carnaval de 1986, faltaram espelhos para terminar o último carro alegórico da escola. A notícia foi divulgada pelo rádio na manhã do mesmo dia do desfile. No fim da tarde, as doações dos moradores do bairro eram suficientes para fazer outro carro alegórico.

Em 1999, a fantasia da comissão de frente não chegou. Rapidamente, sacos de lixo pretos foram transformados em roupa, e a escola ganhou nota 10.

Em 2015 foi lançado o longa-metragem documental, baseado nos 80 anos de história da escola de samba Vai-Vai e no samba paulistano. A direção é de Fernando Capuano e participaram do filme as celebridades como João Carlos Martins, Maria Rita, Alcione, Beth Carvalho, Thobias da Vai-Vai, Oswaldinho da Cuíca, Ivo Meirelles, entre outros.

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Cartaz do documentário realizado em comemoração aos 80 anos da escola.

Vai, vai para a Ladeira da Memória….

A Vai-Vai vai deixar o Bixiga!

Depois de 86 anos, a escola sairá da tradicional quadra da Rua São Vicente e irá para Ladeira da Memória, no Vale do Anhangabaú, para ocupar uma área de 2 000 metros quadrados (quase o triplo do espaço no Bixiga). A transferência acontecerá para dar espaço às obras da Estação 14 bis da Linha 6 – Laranja do metrô. As atividades que antecedem a abertura dos poços para a construção dos túneis e estações já começaram.

A maior campeã do Carnaval de São Paulo, a Vai-Vai que nasceu em 1930, só conseguiu a primeira sede oficial trinta anos depois, na Rua 14 de Julho. Permaneceu lá até 1972, quando se mudou para a atual quadra na Rua São Vicente. E agora, com uma certa melancolia de todos que gostam da escola, vai para a Ladeira da Memória.

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Foto: Felipe Aramuni

Feijoada: Ogum, São Jorge, Nossa Senhora da Achiropita abram os caminhos…

Como divulgado na fan page da escola: a programação do evento Feijoada de Ogum começa às 13:30 horas com a procissão pelas principais ruas do Bixiga, num cortejo em homenagem a São Jorge Guerreiro, com a participação da bateria mirim do Vai-Vai até chegar à quadra da escola.

Em seguida, em cerimônia especial na sede, às 14 horas, será celebrada uma oração em homenagem a Ogum, proferida em Yorubá, língua falada na Nigéria, Benin, Togo e Serra Leoa, além dos ritos religiosos afro-brasileiros (Nagô) e Cuba (Lucumi).

A partir das 15 horas, será servida – de forma gratuita – a tão esperada feijoada, preparada especialmente pela equipe do Pai Francisco com o apoio de membros da escola. Além da imensa Comunidade vaivaiense e moradores da própria Bela Vista, também participarão do evento, os casais de Mestre-Sala e Porta-Bandeira, juntamente com integrantes da Velha Guarda em conjunto com autoridades da religião africana, representados por renomados babalorixás e yalorixás.

Feijoada de Ogum na Vai-Vai

Data: Dia 08 de agosto – Sábado – a partir das 13:30 horas

Local: Rua São Vicente, 276, Bela Vista

Entrada: Gratuita

Lembrando: Quem quiser ver o samba amanhecer, vá no Bixiga para ver! Aproveite, ainda dá tempo.

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Foto: Maria do Carmo/Folha Imagem

Foto de destaque via: carta capital

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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