A história que contaremos hoje é bem diferente daquela da semana passada. Ela começa com a trajetória de Francisco Conde que veio para o Brasil em 1894, proveniente da cidade italiana de Trecchina. Primeiramente ele foi morar em Barretos, no interior de São Paulo, onde começou a vida profissional como funileiro e, depois, tornou-se dono de uma loja comercial. Esse início de história nos levará ao casarão que ficava no número 1.125 da Avenida Paulista.
O Sr. Conde já morava em São Paulo em meados da década de 1920, sua primeira residência foi na Rua Cincinato Braga, na Bela Vista. Em 1929, ano do estouro da crise financeira mundial, período em que muitas empresas desapareceram, o Sr. Conde empreendeu um novo negócio de alto risco: fundou a Casa Bancária Conde & Cia, com sede na Rua Boa Vista, 58. Neste mesmo ano, a família mudou-se para o casarão da Avenida Paulista. A casa bancária deu origem a um grande empreendimento financeiro brasileiro: o Banco de Crédito Nacional, fundado na capital nos anos 1940.
Podemos conhecer um pouco mais do Sr. Conde a partir dos retratos que foram publicados no jornal Il Moscone, que circulou entre 1920 a 1940. Segundo Marcia Rorato, o jornal era um
“semanário ilustrado e humorístico que retratava os acontecimentos referentes, sobretudo, à comunidade italiana, inserida no contexto urbano da cidade de São Paulo. Foi um dos mais polêmicos entre os jornais que defendiam o fascismo e era patrocinado pelos vários ilustres italianos”, inclusive os condes Francesco Matarazzo e Egídio Pinotti Gamba que viviam na Avenida Paulista.
Além dessas caricaturas de época, há também a edição do livro “Francisco Conde e o BCN: vida e empreendimento familiar” sobre a trajetória de Francisco Conde escrito por Pedro Cavalcanti e editado pela Editora Grifos.
Francisco Conde teve sete filhos, dentre eles, Pedro Conde foi o seu sucessor no BCN. A gestão do BCN sempre foi totalmente familiar: em ata de assembleia da empresa, datada de 1945, aparecem além do patriarca os seguintes nomes da família: Alessio Conde e Mário Conde, como banqueiros, Arlindo Conde, médico e Catarina Nilda Conde, prendas do lar.
Nascido como Pietro Conde, na Itália, em 1922, Pedro era naturalizado brasileiro. Nasceu na Itália e chegou ao Brasil com um mês de vida. Além de advogado, formado pela USP, tinha mestrado em administração de empresas nos EUA.
Em 1953, assumiu a presidência do banco. De banqueiro passou a ter atividade política quando assumiu a presidência da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), em 1980. Foi membro do Conselho Monetário Nacional. Sobre sua gestão no BCN, em julho de 2010, a Revista Época publicou
“aos 17 anos, em 1939, assistiu ao nascimento do Banco de Crédito Nacional. Com a morte do pai, em 1953, assumiu o comando e nada ofuscou o brilho de Conde até 1989 quando percebeu um início de declínio no seu prestígio pessoal. Fracassou ao associar-se com o milionário Naji Nahas em uma grande especulação na bolsa. (…). Em seguida, ouviu dos filhos uma declaração de inapetência por rotinas bancárias. Por fim, em 1989, brigou com o terceiro dos irmãos, Armando. Gastou US$ 200 milhões para retirá-lo do quadro de acionistas. Sem possibilidade de sucessão dentro da família, decidiu vender o banco, mudar de ramo e se aposentar. Esperou sete anos. Sob pressão da concorrência estrangeira, o BCN foi vendido ao Bradesco em 1997 por US$ 1,2 bilhão. Conde saiu de cena. Recolheu-se a negócios com imóveis”.
Pedro Conde não teve sucessor definido no BCN. Seu filho Francisco, que ocupou por anos uma das vice-presidências executivas, deixou a instituição. Outro filho, Pedro, que trabalhou na área jurídica do BCN, preferiu ser um franqueado da KFC.
O irmão que Pedro brigou era Armando Conde, importante figura para nossa história. Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, ele foi um dos diretores do BCN e teve como principal realização a construção do enorme Centro Administrativo BCN Alphaville em um terreno de 300 mil m². Depois de sua saída do banco, lançou a Conde Desenvolvimento Imobiliário, com empreendimentos em diversas cidades. Possui uma fazenda co negócios agropecuários na região do Araguaia, no Mato Grosso, dedicando-se à criação de gado Codeara.
Presidiu o Instituto Litoral Verde, que tem por objetivo participar da implantação de um parque ecológico com 17 milhões de m² no Guarujá. (No site do projeto podemos verificar no menu o Parque do Conde – será que é ele mesmo? A página está em construção).
O perfil de Armando Conde pode ser conferido em dois vídeos: o primeiro, de 2010, intitulado “Título de Cidadania – Armando Conde”, para a homenagem quando recebeu o título das mãos do vereador Orestes Vanone, na Câmara de Vereadores de Taubaté.
E o segundo vídeo, de 2012, chamado II Torneio Armando Conde 2012 – Santa Terezinha/MT – Entrevista com Armando Conde. Com três modalidades esportivas, futebol de campo masculino, futsal masculino e vôlei feminino, o torneio foi realizado com seu patrocínio, na cidade em possui suas fazendas de gado.
O primeiro vídeo inicia com a seguinte frase, dita por um amigo, “O Armado é um banqueiro e boêmio …” Realmente é assim que parece ser nas notícias divulgadas sobre sua vida e no livro autobiográfico em que ele próprio se autointitula “A Riqueza da Vida – memórias de um banqueiro boêmio” publicado em 2006 pela Editora Record. Segundo a editora, o livro “conta como assumiu um cargo na diretoria do BCN aos 24 anos, discorrendo de maneira divertida sobre seus negócios, suas caçadas e amizades, numa verdadeira celebração da vida”.
É neste ponto que voltamos ao casarão do número 1.125 da Avenida Paulista que pertencia a família. Armando Conde nasceu lá em 1932 e lá viveu até os 30 anos, mas não teve dúvida quando houve a demolição da casa.
A matéria intitulada “Quando os casarões da Paulista foram destruídos pelos próprios donos – A incrível história da noite de 1982 em que escavadeiras avançaram sobre as mansões da Avenida Paulista – para que os imóveis não fossem tombados pela Secretaria de Cultura”, escrita por Felipe Pontes e publicada pela Revista Crescer, descreve
“ele e os outros cinco herdeiros do imóvel, atualmente ocupado pela sede do Citibank, também desmancharam a casa da família naquele ano de 1982. Mas optaram por um tipo de demolição chamado de racional, em que é realizado um trabalho sistemático de retirada das telhas da cobertura, seguido de desmonte das janelas, vitrôs e tijolos.
“Você quer desenterrar defunto, é?”, disse o ex-dono do BCN ao receber a reportagem em seu escritório pessoal, onde exibe um desenho original de Miró e o busto do pai, Francisco. “A minha mãe era a razão daquele casarão estar de pé”, diz Conde. “Era uma relíquia, mas a parte sentimental não podia prevalecer. Não teve conversa mole: aprovamos um projeto e nos compraram um terreno”. O único apego que Conde se permite está exposto em uma das prateleiras de seu escritório: ali estão uma telha e um tijolo da antiga residência”.
Parece que, na época de sua mãe, realmente a casa era muito viva e vivida, recebia muitos familiares e amigos como nessa foto na escadaria externa da casa.
É triste que a memória e a identidade paulista, que a casa da Avenida Paulista representava, seja tratada deste modo. Aliás, o mesmo aconteceu recentemente com o Parque Augusta. Vocês conhecem esta história? Meses de manifestações e discussões para que o Parque Augusta fosse preservado. Vários grupos e associações foram criadas com este objetivo, como o Organismo Parque Augusta, que segundo o site se denomina como um movimento autogerido, horizontal, heterogêneo e aberto a participação de quem se interessar em apoiar a causa: Parque Augusta 100% público e com gestão popular.
Por muitas semanas, um grupo acampou no parque que fica localizado na quadra entre as ruas Caio Padro e Marquês de Paranaguá, em uma mobilização festiva pela liberação da área e sua efetivação integral como parque municipal.
Mas tão importante quanto a preservação do parque é o seu significado na história do lugar que deu origem ao colégio Des Oiseaux, que podemos conhecer no texto publicado no site do Organismo Parque Augusta:
Durante mais de sessenta anos (1907-1969) funcionou no terreno do parque uma das escolas mais tradicionais da burguesia paulista. Voltada as famílias de grandes proprietários e funcionários do governo, especializada em educação feminina, cabia à instituição difundir o savoir-vivre – saber se vestir, comer, falar francês e principalmente, conversar. Em suma, o essencial do social. Não à toa muitas ex-alunas tiveram vida pública destacada, como Ruth Cardoso e Marta Suplicy.
A residência que abrigou o colégio havia sido projetada, em 1902, por Victor Dubugras, arquiteto francês radicado no Brasil. Em estilo eclético, a “Vila Uchoa” reunia um misto de elementos de mau gosto e ousadia técnica, refletindo a ideologia da elite cafeeira recém enriquecida. Ornamentos silvestres permeavam todo o interior do edifício, como na sala de refeições, cujas paredes exibiam exuberantes pinturas de flores e frutos brasileiros. Ao mesmo tempo, a cobertura externa do automóvel era uma belíssima estrutura metálica atirantada. As vidraças do casarão eram fechadas por modernas persianas de enrolar, sem cortina – provavelmente as primeiras deste tipo a serem utilizadas em São Paulo.
Em 1907, a Vila Uchoa foi vendida para as Cônegas de Santo Agostinho da Bélgica, que transferem para o palacete o colégio Des Oiseaux recém fundado no Brasil. Em 1969, as religiosas encerraram as atividades da escola. Os novos proprietários demolem a casa em 1974, permanecendo apenas o bosque, os muros e a portaria do conjunto. Durante 40 anos o local permaneceu do mesmo jeito. Nos anos 1980 foi utilizado como palco de um circo que abrigou o Projeto SP com shows do Djavan, Paralamas do Sucesso, Stanley Klark, entre outros.
Apesar de todo o esforço dos movimentos da população em favor da manutenção do Parque Augusta, como descreveu A Revista Veja em novembro de 2013, “o sonho dos moradores do Centro de São Paulo de terem um parque em plena Rua Augusta, ficou mais distante”, isso por conta de Armandp Conde. Segue um trecho da matéria “Setin e Cyrela compram terreno do Parque Augusta – Construtoras têm projeto de torres onde vizinhos querem área verde; Haddad já disse que parque não é prioridade”:
“O empresário Armando Conde, dono da área de 25 mil m² entre as ruas Caio Prado e Marquês de Paranaguá, repassou oficialmente a propriedade às construtoras Setin e Cyrela. Conde, ex-dono do banco BCN, é um dos sócios da Setin.
Juntas, as empresas já apresentaram à prefeitura um projeto de construção de duas torres, uma residencial e outra comercial, que ocupariam 18% do terreno – o restante seria uma área aberta ao público. Incrédulos, os moradores afirmam que só um espaço 100% verde agradaria a vizinhança. “Vão concretar tudo e chamar de área pública. Será nos mesmos moldes de alguns prédios comerciais na Avenida Paulista, que de fato têm uma parte aberta na frente do terreno. Mas não é parque”, diz Fábio Canova, dos Aliados do Parque Augusta”.
Voltando a nossa casa da Avenida Paulista: apesar de ter vivido lá até os 30 anos, Armando Conde e os outros cinco herdeiros do imóvel ordenaram a demolição no ano de 1982 como tantos outros proprietários também o fizeram. A opção por uma demolição racional, realizado por um trabalho sistemático de retirada dos materiais mostrou a lógica de uma família com fortes vínculos com a área de construção e financeira. O que será que fizeram com as janelas, vitrôs e tijolos que foram retirados no desmonte e podem ser conferidos na fotografia acima.
História conturbada da família Conde. Alguém acrescentaria mais alguma informação sobre esta casa da Avenida Paulista?
O terreno onde estava a mansão foi vendido ao Citibank (também do ramo financeiro) que construiu sua sede paulista batizada de Citi Center. O empreendimento foi inaugurado em 1986, com projeto do arquiteto Gian Carlo Gasperini.
O edifício mede 93 metros de altura e contempla 20 andares. Como proposta arquitetônica arrojada para a época, caracterizado pelo pós-modernismo dos anos 80. Para ter alta visibilidade sua fachada foi construída em pedra granítica rosa e o vidro azul.
A grande festa de inauguração da sede do banco americano aconteceu na Praça da Paz, no Parque do Ibirapuera, com a apresentação da orquestra Filarmônica de Boston, sob a regência do maestro hindu Zubin Mehta.
O banco conta com uma pequena galeria chamada “Espaço Cultural Citi que é aberta à visitação pública de pessoas que trafegam pela Avenida Paulista e região. Desde 2005 apresenta obras de arte de artista como Fernando Pacheco, Rubens Matuck, Marcello Grassmann, Rubens Gerchman, Luiz Paulo Baravelli, Gregório Gruber, Romero Britto, Newton Mesquita, Ivald Granato, Antonio Peticov, Maurício de Sousa, Claudio Tozzi, Marcello Nitsche, Aldemir Martins entre vários outros.
Neste vídeo do site townflix pode-se ver o espaço do local e a exposição de Ivan Pinheiro Machado, realizada em junho de 2014. Não consegui verificar nenhuma programação em 2015… Será que houve?
Assim, como estas inquietações encerramos o texto de hoje sobre mais um casarão da Série Avenida paulista. Até a próxima semana…
Muito bom o texto, mostra como algumas famílias debelaram com a memória e o patrimônio histórico da cidade.