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Série Avenida Paulista: do ambíguo Tomaselli à FGV

Hoje na Série Avenida Paulista apresentaremos a residência de José  (ou Giuseppe, em italiano) Tomaselli, que era localizada no antigo número 115, próximo à Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Sabemos que o palacete de Tomaselli foi construído em 1904, pelo engenheiro Eduardo Loschi e, em 1916, passou por uma reforma e ampliação, que foi projetada por Victor Dubugras.

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Existem poucas informações disponíveis sobre a família Tomaselli, e os dados que conseguimos são de fatos isolados de seus membros, portanto, tentaremos descrever um perfil familiar que, provavelmente, apresentará lacunas que deverão ser preenchidas com novos subsídios. Será bem-vindo qualquer elemento novo que possa contribuir com essa história.

Em ordem cronológica, a primeira notícia que temos conhecimento é a chegada no Brasil, em 5 de outubro de 1891, do navio “Vapor Caffaro” vindo de Gênova, na Itália, que trouxe a família formada pelo esposo Giuseppe, de 28 anos, a esposa Teresa, de 26 anos e uma filha, de 2 anos, chamada Giuseppina.

Décadas depois, em uma citação judicial encontramos os nomes dos membros da família assim mencionados: o Comendador Giuseppe Tomaselli e, sua esposa, Anna Baguasci Tomaselli e, seus filhos, casados, Felipe Tomaselli e Clelia Rossari Tomaselli, Frederico Tomaselli e Carolina Amati Tomaselli, José Tomaselli Jr. e Renata Stefani Tomaselli, e solteiro, o Paulo Tomaselli.

Outra notícia intrigante dá conta que, em 28 de julho de 1900, ocorreu na Rua Conselheiro Nébias, um furto de panelas, pratos e outros artefatos de ferro esmaltado realizado por três menores, entre eles, o João e o José Tomaselli, que foram interrogados pela polícia e soltos em seguida.

Será que esses três casos divulgados em jornais da época referem-se a uma mesma família? Bom, nossa história se concentra naquele que foi o Comendador Giuseppe Tomaselli.

Giuseppe Tomaselli, imigrante italiano, foi um reconhecido empresário no início do século passado. Era proprietário da G. Tomaselli & Comp., que ficava na Rua 15 de novembro,43, grande empresa exportadora de produtos brasileiros para a Europa e importadora de alimentos e bebidas europeias para o Brasil, entre outros utensílios. E para financiar suas atividades mantinha a casa bancária J. Tomaselli & Comp, que funcionava ao lado da empresa.

Café, vinho, alimentos, banha, utensílios domésticos e toda a sorte de coisas que avaliava ser vendável nos países em que fazia negócios eram possíveis de serem importadas ou exportadas. Por exemplo, em novembro de 1914 a empresa fez a exportação de 2046 sacas de café paulista, pagando imposto à “Recebedoria de Rendas” o equivalente a 10.230 francos.

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Cartão postal com fotografia de Guilherme Gaensly do embarque de café no Porto de Santos. O exemplar foi datado de 18 de outubro de 1905.

Vislumbra-se que Tomaselli  era um empresário com expedientes incomuns para conseguir bons resultados financeiros, como no recurso impetrado pela empresa G. Tomaselli & Comp, “interposto do acto da Inspectoria da Alfandega de Santos, mandando classificar a mercadoria submetida a despacho pela nota de importação n. 20.535, de maio de 1919, como fio de ferro com molas para assentos ou enxergões, da tara 1$ por kilo, do artigo 740 da tarifa”.

Essa prática escusa aconteceu nos diversos anos da existência da empresa, visto que a casa bancária que se designava como do ramo de “compra, venda e troco de moedas metálicas e em papel”, em abril de 1929, recebeu a seguinte sentença de processo, iniciado em 1921, “imponho a firma G. Tommaselli & Comp., de São Paulo a multa de trinta mil contos de reis, que abrangendo as várias infracções já mencionadas”.  Entre elas, falsidade ideológica, não pagamento de impostos, etc. Em sua resolução o inspetor afirma que “a firma denunciada, usando de meios e modos que não é facil determinar, conseguiu fazer taes pagamentos de maneira irregular e desigual”. Vemos que esses hábitos são muito antigos em nossa sociedade, não é mesmo?

O mesmo pode-se dizer do governo que, recebeu por meio da Junta Comercial de São Paulo, uma representação pública de agravo contra o aumento de impostos aos vinhos estrangeiros que seriam taxados conforme seu teor alcoólico: imposto por garrafa de 100 reis aos de mais de 14 graus, e 50 reis, os de menor grau alcoólico. A representação, a que Tomaselli assina, diz que os empresários não se eximem de pagar mais imposto, mas solicitam que a lei seja regulamentada de forma mais racional e equitativa. Engraçado, parece os dias de hoje com a tal CPMF, não é mesmo?

Essa fama deve ter sido motivo pelas sátiras que sofria, em italiano, no jornal Il Moscone, semanário humorístico e ilustrado ítalo-brasileiro. Alguns exemplos:

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Coluna Livros recebidos do jornal “Il Moscone”

Coluna: LVROS RECEBIDOS

Giuseppe Tomaselli: “O homem que ficou a ver navios”

Coluna: LVROS RECEBIDOS

Giuseppe Tomaselli: “O naufrágio”

Coluna: DIFERENÇA

Qual a diferença entre Lucio Occhialini e o comendador Tomaselli?

Occhialini está suspenso do “Circolo Italiano” por um mês e o comendador está suspenso por toda a vida.

Enquanto isso, o Comendador Giuseppe Tomaselli era reconhecido e eleito secretário da Câmara de Comércio Italiana e hospedava o Sr. Victor Orlando, embaixador extraordinário italiano, em sua casa na Avenida Paulista.

Como dissemos, em 1916, a mansão passou por uma e ampliação e reforma em toda sua estrutura que foi realizada por Victor Dubugras.

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Projeto arquitetônico de Victor Dubugras para ampliação da casa de José Tomaselli, com várias salas e 5 dormitórios.
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Fachada do projeto de Victor Dugubras para a casa de Tomaselli.

No texto “Victor Dubugras, arquiteto dos caminhos”, Alex Miyoshi afirma que

“em 1916, na mesma Avenida Paulista, Dubugras viu construídas duas outras residências projetadas por ele, ambas fascinantes: a de José Tomaselli e a de Elias Calfat. Vizinhas uma à outra, elas não tinham a austeridade da casa de Horácio Sabino (casa que apresentamos na semana passada). Suas paredes eram mais rendilhadas e uma notavelmente distinta da outra…”

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Nova entrada da casa de Tomaselli.

Em 1934, a casa de Tomaselli já não constava na lista telefônica da época e, em junho de 1937, foi noticiado no jornal Correio Paulistano a compra do terreno aos fundos do número 115 da Avenida Paulista pelo Comendador Pedro Morganti, outro imigrante italiano que foi um empresário famoso no Brasil. Será que a casa foi demolida? Não sabemos.

Pedro Morganti nasceu em 1876 em um lugarejo chamado Bozzano, município da Província de Lucca, região da Toscana na Itália. Chegou pelo Porto de Santos, em 1.890, aos 14 anos. Empresário do ramo açucareiro, fundou a Companhia União dos Refinadores – a famosa União.

A pedido de Assis Chateaubriand, foi publicada em 1967 sua biografia, intitulada “Um Bandeirante da Toscana”, de autoria de Manoelito de Ornellas. Da sinopse apresentamos algumas informações:
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Após cumprir o serviço militar na Itália, retornou ao Brasil, e, em 1.902, com muito esforço e trabalho, se estabelece com uma incipiente refinação de açúcar na rua Amaral Gurgel. Em 1.904, amplia a empresa, estabelecendo uma filial da Refinaria à Ladeira Piques, hoje rua Quirino de Andrade, juntamente com dois sócios Narciso e Stefano Gosi.

Dissolve-se a firma “Morganti & Gori” e, em 1910, Pedro Morganti organiza a Companhia União dos Refinadores, em 04/10/1910. A ideia surge a partir das vantagens que Pedro enxerga em reunir, em uma única empresa, a matéria prima e o produto acabado. As usinas plantariam e produziriam ao mesmo tempo. Pensando, assim, adquiriu o Engenho Central de Monte Alegre, em Piracicaba, transformando-o na nova Usina de Monte Alegre.

Desta forma, Pedro Morganti entra, definitivamente, para o universo da indústria açucareira, tornando-se um todo-poderoso e progressista senhor de engenho e de usinas. É a grande fase não apenas do Engenho de Monte Alegre, mas da indústria açucareira no Brasil. Mais tarde, e 1.916, compra as ações da Companhia Central Conde Wilson, (..) e, em 1917, o Engenho Fortaleza, em Araraquara, que passou a chamar-se “Usina Tamoio” e onde organiza a Companhia União Agrícola. Com esses empreendimentos, Pedro Morganti chegou a ser o maior produtor de açúcar do Brasil.

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Inauguração da locomotiva construída na Usina Monte Alegre, na foto Pedro Morganti e o governador de São Paulo, Ademar de Barros.
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Casa da afamilia Morganti em Monte Alegre. A construção principal era denominada “Casa da Fazenda” e, mais ao fundo, a “Casa de Hóspedes”, circundadas por um enorme e belo jardim.
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A usina Monte Alegre, em 1993, já desativada. Foto de José Luiz.

A continuação e a atualização desta história encontramos no livro “Fundação Getúlio Vargas: concretização de um ideal’ que foi organizado por Maria Celina D’Araújo. Sim, ali hoje funciona a FGV, uma das maiores escolas de negócios do Brasil. Na verdade, já funcionava nos casarões.

Na entrevista publicada com o Sr. Jorge Flores, um dos fundadores da FGV, ele comenta:

(As doações) “Têm sido quase todas feitas em dinheiro, mas também em equipamentos. Quem prometeu doar dois imóveis e acabou vendendo em vez de doar foi a família Morganti, que vendeu à Fundação duas mansões na avenida Paulista. É a tal história: enquanto Getúlio era vivo, eles queriam doar. Depois, venderam. Barato, mas venderam”.

Com a numeração atual, no lugar dos casarões foram construídas a partir de 1987 duas torres. No número 542, a Torre Jorge Flores e, no número 548, a Torre Luis Simões Lopes, em homenagem aos dois fundadores da Fundação Getúlio Vargas.

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No número 542 da Avenida Paulista está a Torre Jorge Flores e, no número 548, a Torre Luis Simões Lopes. Foto: Google Strret View

O primeiro edifício de 13 andares foi concluído em 1991 e abriga, no térreo, a agência bancária do Banco do Brasil, que é vista na avenida. O segundo edifício foi concluído em 1990 e abriga a Unidade Paulista, escola e consultoria, da Fundação Getúlio Vargas. O site da FGV informa que

“a unidade Paulista está localizada na região central de São Paulo, próximo à estação Brigadeiro do metrô. Em prédio próprio, os cursos são ministrados em 25 salas de aula, distribuídas em 7 andares. A unidade conta ainda com 1 laboratório de informática e rede wireless disponível para os alunos”.

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Torre Luis Simões Lopes, na qual é possível ver o logotipo da FGV.

Uma curiosidade sobre o edifício número 542, a Torre Jorge Flores: lá estão sediadas várias empresas de origem japonesa, como a Daiwa do Brasil e a Kurashiki do Brasil, do ramo têxtil, a Japan Airlines e a Kawasaki do Brasil, representante da indústria de motocicletas.

Para contar essa história, tentamos reconstituir a história de 3 diferentes ocupantes do terreno que recebeu a mansão de Giuseppe Tomaselli, mas sabemos que muito mais informações poderiam ser agregadas a essas biografias. Caso alguém conheça algo e queira compartilhar conosco, será muito bem recebido.  E assim, vamos reconstruindo a história dos moradores e dos casarão da Avenida Paulista de antigamente e seus sucessores atuais.

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

26 Comentários

    • Que bacana. Gosto muito quando tenho comentários dos parentes das famílias citadas no texto. Algo de novo sempre ocorre…Por acaso, será que seu pai ou alguém da família poderia confirmar se os dados do texto estão corretos? Se a casa de Pedro Morganti era mesmo no lugar da de Giuseppe Tomaselli? Estou planejando publicar um livro da série e qualquer informação adicional ou imagem seria muito bem-vinda. Se preferir podemos nos comunicar por email. Segue o meu endereço: luciana@spcity.com.br. Agradeço imensamente seu retorno. Grande abraço… 🙂 <3

    • Luciana Cotrim , infelizmente todos os filhos do meu avô, que poderiam confirmar, já morreram. Procure no Face, por Maria Beatriz Giordano Ippolito, neta do Tio Pedro Morganti. Diga que fui eu quem lhe sobre ela. Quem sabe? Abraço.

    • Ana, muito obrigada pelo rápido retorno. Que pena, no Brasil a história e o passado vai com aqueles que se foram. É assim mesmo. Meu trabalho é tentar resgatar um pouco dessa história. Vi a página da Maria Beatriz, mas parece que ela não acessa o facebook há mais de ano. De qualquer maneira vou tentar mandar uma mensagem para ela. E, se por acaso, vc tiver contato com ela, por favor, fale sobre o trabalho que estou fazendo. Qualquer informação ou fotografia da época ajuda a resgatar as residencias, os costumes e hábitos sociais de quem viveu na avenida paulista, desta parte tão importante da nossa história paulistana. Muito obrigada por sua atenção, 🙂 <3 .

  • Triste fim pra este tão importante edificio paulistano. Abrigar uma fundação que leva o nome dum ditador e pior, dum ditador que tanto odiava os paulistas, não é nada honroso.
    Enquanto os paulistas não tiverem mais e melhor acesso ao estudo de nossa historia, coisas assim (homenagens a nossos carrascos) seguirão existindo em terras paulistas.

  • Parabéns pelas suas pesquisas , Luciana Cotrim. Adorei. Acho que vou pedir ajuda para descobrir meus antepassados italianos que chegaram ao Brasil. Não consegui nada. rsrsrsrsrsr

    • Maria Beatriz, que bom receber um comentário seu. Troquei mensagens com a Ana sobre você. (Vc chegou a ver? ). Tenho a intenção de escrever um livro sobre os casarões da Avenida Paulista e para isso quero me certificar de todas as informações que publico. Vc poderia acrescentar alguma informação ao texto? Saberia me dizer se realmente era a casa que pertenceu antes a Guiseppe Tomaselli? Teria alguma história para contar da casa? Se preferir podemos nos comunicar por e-mail. O meu endereço e luciana@spcity.com.br. Aguardo seu contato e agradeço muitíssimo.

  • Olá, Luciana Cotrim. Minha pesquisa de mestrado é sobre Pedro Morganti e sua Usina Monte Alegre. Na ocasião do enterro dele, em 1941, foi publicado no jornal Estado de São Paulo que o cortejo partiria da residência da família (n. 548 da Avenida Paulista). Durante os levantamentos na Seção de logradouros do Arquivo Municipal de São Paulo, encontrei o registro de que se tratava do antigo número 115. Com base nos documentos, a mudança da numeração deve ter ocorrido entre a reforma da casa (1916) e o falecimento de Pedro Morganti (1941). Suponho também que adquiriu o casarão por volta de 1937 (como você mesma apontou), sendo mantido pela família até 1943, quando, de fato, foi vendido à Fundação Getúlio Vargas (conforme documentação desta instituição). Espero ter ajudado e parabéns pelo artigo. Amanda W. Caporrino.

  • Obs.: esqueci de comentar que no Arquivo Municipal de São Paulo (Arquivo Histórico Washington Luiz) tem as pastas com os requerimentos, projetos e plantas apresentados por Loschi e Dubugras para esse casarão na época. Os desenhos são fantásticos! Localizei no Setor de Obras Privadas pela numeração 115 da Avenida Paulista.

    • Amanda, muito obrigada por seu texto e compartilhamento das informações. Foi de muita ajuda, inclusive com a indicação do Arquivo Municipal que será muito útil para um projeto de construção em computação gráfica da Paulista no início do século passado de um amigo. Muito, muito obrigada.

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