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Série Avenida Paulista: a história dos Schmidt, Ferreira Ramos, Maluf e Bonfiglioli

A história que contaremos hoje passa por diversas famílias, iniciando pela de Francisco Schmidt, até chegar ao Condomínio Edifício Comendador Alberto Bonfiglioli. De antemão, agradecemos a contribuição de quem puder ajudar a preencher as lacunas desta saga paulistana.

Partimos dos registros das listas telefônicas antigas que apontam que, de 1917 até meados de 1920, o primeiro proprietário e morador da casa da Avenida Paulista, número 89A era o Sr. Francisco Schmidt. Desta casa temos uma imagem de Guilherme Gaensly que mostra o jardim e um pedacinho da casa.

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O traçado azul mostra o local do jardim e um pequeno pedaço da casa de Francisco Smith

Segundo o site Inconfidência Ribeirão, “Francisco Schmidt era um imigrante alemão, nascido em 3 de outubro de 1850 em Osthofen, então um pequeno vilarejo da Prússia, atual Alemanha. Chegou ao Brasil junto com seus pais Jakob e Gertrud Schmidt, aos oito anos de idade. Vieram em busca de novas oportunidades, que surgiam na forma da expansão do plantio de café no interior paulista. Permaneceu junto a seus pais até a idade de 23 anos. Em 1873, Francisco Schmidt casou-se com Albertine Kohl, com a qual teve oito filhos.

Franz Schmidt (seu nome original) trabalhou na lavoura por quase duas décadas, até juntar capital suficiente para montar a primeira venda de secos e molhados da cidade de Descalvado, município que se localizava bem no meio da rota Ribeirão Preto – Jundiaí, por onde se escorria a produção de café, que, da cidade de Jundiaí era transportado por estrada de ferro até o porto de Santos, de onde seguia para exportação.

Em seguida, Schmidt pode comprar sua primeira fazenda, em Santa Rita do Passa Quatro, e durante os anos seguintes seus investimentos focaram-se na compra e revenda de terras na região. Pouco tempo depois, tornou-se proprietário da fazenda Monte Alegre, em Ribeirão Preto, e foi dali que iniciou o seu império cafeeiro.

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Em 1940, a fazenda Monte Alegre foi adquirida pelo Governo do Estado de São Paulo que, em 1942, instalou nela a Escola Prática de Agricultura da Universidade de São Paulo. Atualmente, estão lá instalados o campus da USP Ribeirão Preto e o museus histórico do café (atualmente fechado para reforma) que é administrado pela Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto.

 

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Foto antiga da fazenda Monte Alegre que hoje é a faculdade de medicina da Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto.
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Entrada da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP onde era a Fazenda Monte Alegre, inaugurada em 1895 conforme consta no azulejo.

O fazendeiro estabeleceu uma parceria com a empresa alemã Theodor Wille, que já investia no café, açúcar e algodão brasileiro. O financiamento da produção através do grupo alemão foi fundamental para o crescimento dos lucros de Schmidt.

Em 1901, Campos Sales, então presidente do Brasil, nomeava Francisco Schmidt coronel-comandante da 72ª Brigada de Infantaria da Guarda Nacional.  Em seu auge, ficou conhecido como Coronel Francisco Schmidt, o Rei do Café, e tornou-se proprietário de 69 fazendas em 17 municípios, com mais de 12 milhões de pés de café plantados e 19 mil empregados. Nesta época, em apenas uma década – entre 1890 e 1900 – a população de Ribeirão Preto passava de 12 mil para 54 mil, efervescendo a vida econômica, cultural e social da cidade.

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Busto em homenagem a Francisco Schmidt, inaugurado em 24/10/1927 em Ribeirão Preto. No discurso das autoridades, ele foi tratado como o Rei do Café.

O Coronel Francisco Schmidt teve forte atuação política nesta região. Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu na Europa, o sentimento de anti-germânico despertado entre a população brasileira aos poucos foi minando a credibilidade política do coronel alemão. Para piorar a situação, a empresa Theodor Wille, economicamente prejudicada pelo conflito, abandonou de vez a parceria com o Rei do Café.

O alemão conseguiu reerguer seus negócios logo após o término da guerra, com a morte de sua esposa, em 1917, criou a Sociedade Agrícola juntamente com seus filhos – Gertrudes Schmidt Whitaker, Anna Schmidt Ferreira Ramos, Guilherme Schmidt, Jacob Schmidt, Albina Schmidt Whately, Arthur Schmidt, Magdalena Schmidt Villares e Ernesto Schmidt -, abandonando a vida política, mudando-se já bastante doente, em 1923, para a cidade de São Paulo, onde faleceu no dia 18 de maio de 1924. Paulo. Presume-se, então, que tenha construído/ comprado a mansão na Avenida Paulista pela importância de ter um endereço em São Paulo e tenha morado lá no seu último ano de vida.

Entre 1927 a 1939, a mansão da Avenida Paulista muda de proprietário, já aparece em nome de Francisco Ferreira Ramos, que descobrimos em nossas pesquisas, que foi casado d. Anna Schmidt Ferreira Ramos, filha do Coronel Francisco Schmidt e da Dona Albertina Kolh Schmidt.

Ferreira Ramos também estava ligado na produção de café, na cidade de Tabuleiro onde tinha um sitio com 96 alqueires onde produzia e comercializava essencialmente café.

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Apesar disso, o Dr. Francisco Ferreira Ramos passou parte de sua vida em São Paulo. Foi um dos fundadores da Escola Polytechnica de São Paulo, no Edifício Paula Souza, construído, juntamente com Ramos de Azevedo e Urbano de Vasconcelos, em 1893.

Deu aula de Física Industrial e várias outras disciplinas na universidade na universidade e foi responsável pelas primeiras pesquisas da instituição, que envolviam o Raio X. Em 1904, publicou o livro Industries and electricity in the state of São Paulo (S. Paulo Vanorden & Co., 1904).

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O Edifício Paula Souza em 1908, onde funcionou a Escola Polytechnica até a década de 1940.

Além de ensinar, o professor também tinha outras ambições, junto com Ramos de Azevedo, com o coronel Antônio Carlos da Silva Telles e Ermelino Matarazzo, fundou o Banque Brésillienne Italo-Belge. Também foi secretário geral da Sociedade Paulista de Agricultura, Comércio e Indústria, organizada em 22 de fevereiro de 1902, com o objetivo de defender todos os interesses ligados à distribuição, circulação e consumo da produção brasileira.

Foi nomeado pelo Governo elo Estado representante da lavoura no Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café, e, em 1927, Vice-Diretor ela Escola Polytechnica de São Paulo.

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Fotomontagem com imagens do Banque Brèsilienne Italo-Belge, que foi fundada no dia 11 de janeiro de 1911, com sede em São Paulo e sucursal em Santos e agências em Campinas, Jaú e Ribeirão Preto.
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Moeda do Banque Brèsilienne Italo-Belge, que existiu até 1961.

Voltando à casa da Avenida Paulista, em 1938, foi feito um projeto arquitetônico pelo escritório de Ramos de Azevedo para Ângela Barros Loureiro, que era esposa de Jayme Loureiro, proprietário da casa em frente a essa pela Alameda Campinas, a de número 89. Já contamos a história desta casa, que pode ser lida neste link. Pesquisando sobre a D. Ângela, descobrimos, em um anúncio de falecimento, que ela era irmã de Judith de Barros Schmidt, casada com Guilherme Schmidt, fazendeiro em Sertãosinho, que era filho do coronel Francisco Schmidt.

Neste mesmo ano, outro projeto arquitetônico para esse endereço, também do escritório de Ramos de Azevedo, foi realizado para a família Salim Maluf.

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Do lado esquerdo, planta com a localização das ruas e, do lado direito, estudos do escritório de Ramos de Azevedo para a casa solicitado pela família Maluf.
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Projeto escolhido pela família Maluf.

Sabemos que no número 113 da Avenida Paulista morava o Sr. Abrahim Maluf, porém não conseguimos localizar mais nenhuma informação sobre a execução do projeto ou se alguém mais da família dos Salim Maluf morava na Avenida.

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Na foto acima, dos anos de 1970, podemos ver que o desenho do projeto guarda semelhança com a casa que estava no local naquela década. Será que se tratava da família de Paulo Maluf? Paulo Salim Maluf nasceu na cidade de São Paulo no dia 3 de setembro de 1931, filho do empresário Salim Farah Maluf e de Maria Estefano Maluf, ambos de origem libanesa.

Trata-se de uma família de industriais que no início do século passado resolveu investir na América do Sul. No início fabricavam compensados e outros laminados prensados, quando fundaram a Eucatex. Paulo Maluf estudou no Colégio São Luís, na Paulista. Possivelmente este era um projeto para a família. Quem saberia algo que pudesse esclarecer?

Outro fato comprovado é que a casa foi residência da família Bonfiglioli e, possivelmente, por um período, tenha abrigado uma agência do Banco Auxiliar, instituição pertencente à família.

Conhecido empresário ítalo-brasileiro no cenário paulista, Alberto Bonfiglioli, nasceu em Bolonha, na Itália, em 6 de dezembro de 1897.  Estudou no Liceu Salesiano de Milão em 1910 e na Faculdade do Comércio de São Paulo, onde se formou em Ciências Econômicas, tendo merecido a menção de honra e medalhas de ouro.

Foi diretor-presidente e principal acionista das seguintes organizações de São Paulo: Banco Auxiliar; Companhia Industrial de Conservas Alimentícias, a CICA, Auxilium S.A., Financiamento, Crédito e Investimento, Meias Waldorf S.A., Agropecuária Bonfiglioli, Construtora Bonfiglioli, entre outras.

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Escultura em bronze do Comendador Alberto Bonfiglioli, que está localizada no edifício que leva o seu nome. Foto: ARTExplorer

Além das empresas, também foi diretor-tesoureiro do Circolo Italiano, secretário da Sociedade Dante Alighieri, diretor da Associação Comercial de São Paulo, diretor da FIESP e vice-presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras. Faleceu em São Paulo, no dia 4 de julho de 1967.

Sobre o casarão, atualmente, no local em questão na Avenida Paulista está situado o Condomínio Edifício Comendador Alberto Bonfiglioli, fato que comprova a propriedade do terreno/ casa, que ficou um período para ser demolida, como vemos na imagem abaixo.

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Foto: Aghemio Marc

O edifício Comendador Alberto Bonfiglioli, na avenida Paulista 1048, possui um total de 18 andares com lajes a partir de 490 m², conta com fachada em vidro e granito, quatro elevadores sociais e dois nos subsolos, cobertura e heliponto. O térreo e o 18° pavimentos são com pé direito duplo.

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Foto: Bolsa de Imóveis

Com projeto do Escritório Técnico de Julio Neves, o edifício começou a ser construído em 1999 e foi entregue em 2001 pela Bolsa de Imóveis e Stan Desenvolvimento Imobiliário, com arquitetura em estilo moderno e uso de vidro como principal material. Além do Bic Banco, o edifício consta como endereço das seguintes empresas bastante conhecidas Groupon, Academia L’oreal e PayPal.

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Edifício Comendador Alberto Bonfiglioli, com a iluminação noturna. Foto: samuel_fortal

Não só no edifício, mas o Comendador Alberto Bonfiglioli também foi homenageado na nomeação da Avenida Comendador Alberto Bonfiglioli e no bairro Jardim Bonfiglioli, no distrito do Butantã e em outras localidades, como a Rodovia que leva o seu nome, na cidade de Presidente Prudente.

Vemos que existem mistérios não desvendados, relacionados a todas às famílias ligadas a esse local. Caso algum leitor tiver alguma informação para acrescentar. será muito bem vinda. Obrigada e até o próximo post da Série Avenida Paulista.

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

15 Comentários

  • Também há um bairro chamado Jardim Bonfiglioli em Jundiaí, mas não sei se tem algo a ver.

  • Esta foto do casarão foi feita por Valter Hernandez Trujillo na década de 1980. Mais uma vez agradeço pela contribuição dele com muitas fotos da Avenida Paulista.

  • Sou bisneto do Sr. Abrahim Maluf citado nesta matéria como proprietário da casa da Av. Paulista 113. Esta casa era a esquina da Av. Paulista com Av. Brigadeiro Luís Antonio.
    Gostaria de esclarecer e ainda, se possível, dar alguma contribuição a este belo trabalho de reconstituição de nossa históra.
    As imagens que foram postadas não são desta casa da Av. Paulista, do Sr. Abrahim. Provavelmente são da casa de um parente dele, o Sr. Salim Farah Maluf, pai do Sr. Paulo Salim Maluf. Pelo que me recordo, esta casa ficava na Rua Treze de Maio ou imediações.
    Porém, sobre a história do Sr. Abrahim, que foi o morador da casa da Av. Paulista, dele sim posso falar.
    Sr. Abrahim Maluf imigrou da cidade de Baalbek no Líbano para o Brasil na virada do século 20. Inicialmente veio sozinho e foi trablhar de mascate nas fazendas da região de Tambaú-SP. Carregava duas malas em suas costas sobre uma vara de guatambú, fato este que o fez ficar com os ombros tortos, deformidade esta que depois era motivo de grande orgulho a ele. Quando conseguiu se estabelecer, voltou ao Líbano trazer sua noiva, Sra. Essem Ara Maluf, sua Mãe Sra. Latif e seus irmãos Nagib, Elias. Haviam outros irmãos que agora não me recordo o nome.
    Sr. Abrahim Maluf, juntamente com seus irmãos e filhos, então dedicaram-se a extração e comércio de madeiras. De Tambaú veio para São Paulo, onde radicou-se na rua Barão de Duprat e de lá mudou-se para a Av. Paulista. Expandiu seus negócios para Minas Gerais e Paraná, além das cidades de Santo André e Santos. Após sua morte a casa foi vendida e deu lugar ao primeiro edificio construido na avenida.
    Parte do mobiliário e dos utensilios do casarão da Paulista estão hoje em minha casa e pasmem: muitos ainda estão em uso diário. Hoje sento nas poltronas e sofás que foram dessa casa, minha roupa está guardada no guarda roupa que era dele e até os lençois de algodão egípcio bordados com o monograma “A&E” Abrahim e Essem.
    Se alguém tiver algum interesse com o assunto estou a inteira disposição.

    • sr.Luiz Fernando Maluf, eu sou pesquisador e gostaria de perguntar se alguns dos móveis foram feitos no Liceu de Artes e Ofícios de SP. Se sim, eu gostaria de entrar em contato com o senhor.

  • Av.paulista 1048, mansão dos Bonfiglioli em 1974 era o CENTRO DE PROCESSAMENTO DE DADOS do Banco Auxiliar.

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