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Série Avenida Paulista: da casa de Paes Leme ao Conjunto Residencial Suíço

Nesta semana, na Série Avenida Paulista vamos contar a história da casa que havia no antigo número 136, onde hoje encontra-se o Conjunto Residencial Suíço. Essa história, diferente das outras, começou por alguém que viveu no edifício e fez contato conosco.

A partir daí pesquisamos sobre a casa que havia antes no local e conseguimos algumas informações, que partilhamos com todos. Portanto, agradecemos muito a Monica que foi responsável por esta história que, sem ela não aconteceria e, também, por compartilhar conosco as lembranças e as lindas fotos da época que viveu no apartamento.

O primeiro registro que encontramos da casa foi de 1906, na lista telefônica da época, em que a casa aparece em nome do Dr. Luiz Betim Paes Leme, a família Paes Leme é bastante tradicional no Rio de Janeiro e até aqui e existem, pelo menos, três pessoas com esse mesmo nome.

O mais conhecido deles, foi nomeado em 1882 Diretor Geral dos Correios, e foi responsável pela reorganização e profissionalização da empresa, mas ele faleceu em 1904.

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Dr. Luiz Betim Paes Leme

O segundo Dr. Luiz Betim Paes Leme, provavelmente seu descendente, nasceu no Rio de Janeiro, formou-se engenheiro em 1903, em Paris, e em 1905, foi nomeado engenheiro chefe da recém-criada comissão de obras de saneamento e abastecimento de água da capital paulista, em especial, a captação de águas do Ribeirão Cabuçu. Em 1908, ainda representou o Brasil em um evento internacional apresentando seu trabalho à frente da Repartição de Águas e Esgotos. Depois disso voltou ao Rio e dedicou-se à indústria de carvão mineral e petróleo.

Justamente em 1908 a casa aparece em nome do irmão de Francisco Matarazzo, o Andrea Matarazzo Sobrinho, grande investidor de terrenos e imóveis na região, que também morava na Avenida Paulista (a história dele pode ser lida aqui).

Depois disso, imaginamos que a casa tenha sido alugada e, só reaparece quando Heribaldo Siciliano, conhecido arquiteto da época, pede autorização para a Prefeitura, em julho de 1917, para construir uma garagem na casa.

Pulamos um período de tempo e, em 1933, a casa está em nome de Antonio Teixeira Pinto, que também foi investidor de imóveis, mas mais ainda de apólices e títulos financeiros, tronando-se corretor da Bolsa de Fundos Público de São Paulo.

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O nome de Antonio Teixeira Pinto aparece como corretor da Bolsa de Fundos Públicos de São Paulo.

Pouco tempo depois, em dezembro de 1937, a casa aparece no nome do Gymnasio Carlos Gomes, sob o número 673, na numeração atual, permanecendo lá até 1945.

A escola funcionava em sistema de internato e externato, para ambos os sexos, do pré-primário, passando pelo ginasial, clássico e cientifico (equivalente ao ensino médio atual), até os cursos preparatórios para a seleção dos cursos superiores. Para o nível clássico, além das aulas da grade, também tinham aulas de latim, francês, inglês e literatura. Vejam só a diferença com a educação atual.

Conseguimos ver a casa apenas por esse anúncio de jornal publicado no Correio Paulistano em fevereiro de 1939, uma bela construção em estilo eclético, com a lateral e torreão sextavados em paredes com tijolos aparentes, do outro lado, sacadas nos pisos inferior e superior, com sótão e porão. Um belo jardim e uma majestosa escada que dá acesso à casa.  Vimos pelas publicações que, até 1946, a escola funcionou neste endereço.

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No dia 19 de abril de 1951 foi publicado um comunicado no mesmo jornal divulgando que a escola Pan Americana, vinculada a Escola Paulista de Medicina, já estava instalada neste endereço da avenida e, também, que se tratava de um prédio próprio, provavelmente comprado da antiga escola.

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Poucos anos depois, no dia 14 de junho de 1956, uma grande matéria no jornal anuncia o lançamento de um “empreendimento imobiliário de grande significação para a família paulista”. Trata-se do lançamento do Conjunto Residencial Suíço, que segundo a notícia, era de apartamentos modernos, confortáveis e de baixo custo, realizados com capital estrangeiro, de capitalistas suíços.

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Obras da fundação do edifício em 1956

A Flamengo S. A. foi a construtora responsável pela execução da obra. A empresa argumenta que, em se tratando de um local privilegiado e tradicional como a Avenida Paulista, seria impossível construir com baixo cisto é só o investimento estrangeiro viabiliza o projeto.  Neste período, a Paulista tinha poucos edifícios e todos eles de alto padrão. Talvez esse tenha sido o primeiro direcionado à classe média.

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Segundo Markus Mike, da Flamengo, o projeto arquitetônico foi feito na Suíça, e o terreno comprado da Escola Paulista de Medicina. A área construída seria de 34 mil m², com 22 andares, com apartamentos com 3 plantas diferentes, com um grande diferencial, “água quente em todas as torneiras”. De uso comum 2 jardins, playground e garagem para 140 carros. A matéria informava que seriam construídas 3 torres, chamadas Alpes, Apeninos e Andes, mas, na verdade, apenas uma torre foi construída e o prédio recebeu o nome de Conjunto Residencial Suíço. Não sabemos informar porque não foram construídas as 3 torres.

Vemos no anúncio de vendas, veiculado em 10/07/1956,  que os argumentos eram fortes do ponto de vista financeiro: preço fixo, apenas 5% de sinal, 20% facilitados em 36 meses e 75% financiados em 70 meses.

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Mas é neste momento que começa a parte mais interessante desta história, o belo depoimento de Monica, que passou uma parte da infância em um dos apartamentos do Conjunto Residencial Suíço.

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Vamos a sua narrativa:

“Nesse apartamento moravam minha tia Téia, irmã mais velha da minha mãe, meu tio Zézinho e minha prima Maria Cecília, que me disse que morou lá dos 12 anos até casar aos 20 e poucos anos. Eu fiquei lá, com a minha tia, desde bebê até uns 6 anos, não tinha berçário naquela época. Quem morou mais tempo foi minha tia, de 1959 até 1975.

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Maria Cecília, minha prima, comigo no colo – eu com 5 / 6 meses. Esta foto era na sala com vista para o telhado ou do Clube Homs ou do Santander, que fica ao lado.

Minha mãe foi a única filha do total de 8 mulheres e 5 homens da minha avó que continuou trabalhando após casada, e após meu nascimento, teve que me deixar com minha tia para continuar trabalhando. Ela trabalhava na Praça da República.

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Minha mãe e eu na Paulista, em frente ao prédio, essa casa ao fundo é hoje uma academia Smart Fit.

Nas minhas lembranças, o apartamento 904 tinha uma sala comprida e um quartão grandão, as portas marrons do corredor eram altas e me lembro de ter ficado presa no elevador por falta de energia, com ele cheio de moradores, e minha tia Téia me acalmou e eu aguardei quietinha (eu acho!).

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Hall de entrada do edifício, que dava acesso ao primeiro andar e a porta de inox do elevador, no qual fiquei presa.

Ela abria a lata de leite condensado na pequena cozinha e sempre deixava um fundinho para eu lamber e ele lia o jornal na cama enquanto eu fazia cabaninha das folhas e a tia arreliava: Zézinho, faz essa menina dormir! De repente o tio foi embora – eles se separaram.

Quando tive caxumba dormia na cama de casal com a minha mãe e a tia vinha me dar tchau para ir estudar no curso de madureza, e eu a queria ali também, afinal eu era muito sortuda, tinha duas mães, a mãe do ‘quitório’ (minha mãe que me deixava com a irmã para ir trabalhar no escritório) e a minha ‘mãe’ (na verdade minha tia), que minha prima me arreliava falando baixinho: ela não é sua mãe, é sua tia! E eu abria o berreiro e minha tia vinha em minha defesa (como sempre!); a nossa diferença é de 20 anos !! rs

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Minha prima, Maria Cecília, comigo no colo em 1967. Na janela da sala é possível ver ao fundo a obra de um edifício, que acho ser o do Gazeta.

Hoje, 21 de novembro de 2017, voltei lá, quase 50 anos depois, afinal desde que me entendo por gente ele já existia.

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As portas são normais e continuam marrons, as janelas dos apartamentos sem mudanças, fiz fotos para registrar um tempo que para mim foi de uma infância feliz, afinal eu era paparicada pela tia Téia e pelo tio Zézinho enquanto meus pais iam trabalhar e eu ficava lá.

O banheiro ficava bem colado à porta de entrada, e eu chegava da escolinha e era colocada lá para despejar os quilos de areia que trazia nas botas ortopédicas Salva Pé, todos os dias – era engraçado e dava um alívio danado.

Banho não era problema, mas o cano era colocar a touca de cabelo, porque nem todo o dia era dia de lavar os cabelos, e o barulho da água batendo me incomodava, dava show e pedia para ficar de orelhas para fora, a tia sempre deixava.

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Me lembro de brincar de motoca com a descarga da privada, virava de frente para a parede e ficava imitando que estava numa moto, fiz foto da descarga que ainda existe por lá.

Um evento muito aguardado por mim era a perda dos dentes de leite, na pia, a tia contava até 3 e puxava, sangrava que só, mas – a melhor parte! – eu fazia vários bochechos com água morna salgada, sempre amei sal, deve ser dessa época.

A área de serviço era pequena, mas tinha porta de serviço para o corredor a porta não era usada, pois minha tia tinha uma Bendix (máquina de lavar) do tamanho do mundo que ocupava tudo.

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O corredor dos apartamentos. A primeira porta é a social, a próxima é a de serviço, onde pode-se notar claridade mais à frente do janelão que vemos abaixo. Detalhe para o piso de cacos, muito comum naquela época.

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Essa janela é a da área de serviço, a outra janela que aprece ao fundo é a da cozinha. Esse recuo com esse janelão é o que você vê olhando de frente do prédio.
Um episódio com essa porta: não existia interfone, né? O cara subiu e tocou a campainha de serviço para entregar flores para a minha prima. Eu me lembro que minha tia abriu a porta social e falou que era ali, e eu fiquei aguardando perto da geladeira, que ficava na sala, pois a cozinha era muito pequena.

Minha prima deve ter ganhado flores porque ia casar, e eu fui sua daminha de honra, um vestido azul, com uma flor na altura de uma cintura alta que me pinicava o tempo todo; não tive autorização nem para manicure ou maquiagem, criança de 6 anos não pode e pronto, sem show dessa vez!

O casamento foi na Imaculada Conceição e a festa no apartamento. Nas minhas lembranças, eram muitas pernas na minha visão miúda, mas o legal é que deixaram a porta da entrada aberta, achei o máximo.

Todo dia, à noite, eu ia para a minha casa em Pirituba – às vezes dormia na Paulista, meus pais vinham do trabalho e iam lá para me buscar, o carro ficava parado no posto que tinha na Paulista com Brigadeiro, onde hoje é o Burger King. O Sr. Augusto, dono do posto, acho que sempre brincava comigo. Eu me lembro de ir para o carro embrulhada num cobertor, no colo do meu pai, para não pegar friagem.

Outra lembrança boa eram as balas Super Leite da Kopenhagen, eu devia atormentar minha tia –  num apartamento de apenas um quarto – que ela descia e me levava para comprar bala e, até poucos anos atrás, ela ainda me trazia balas quando vinha visitar minha mãe. Íamos no banco também, eu trazia montes de fichas para depósito para brincar em casa.

O sofá da minha tia era de chenile vermelho e eu, meio travessa, encharquei com uma caneta azul ou preta que ficou uma bolota, tomei várias duras, da minha tia e da minha mãe, sempre que olhava aquela marca redonda lembrava das broncas.

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Eu, sentada no sofá de chenile. Acho que sentei na mancha que fiz para não aparecer na foto, era bem nessa posição.

Às vezes dormia lá no apartamento, então, minha tia abria esse sofá, que virava uma cama de casal, e me punha para dormir, como eu não queria dormir sozinha, minha tia punha o travesseiro dela à noite e logo pela manhã, para eu ter a segurança que ela dormiu ali comigo. Minha prima me falou uma vez, que ela punha até eu dormir e ia para o quarto, mas logo cedo o colocava do meu lado.

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Eu, na sala do apartamento, sentadinha, envolta em almofadas e rendas no cesto, com uma medalha de Nossa Senhora da Conceição na frente. para proteção. Prontinha para ser fotografada. Reparem a mobília, a TV antiga, a cadeira e o armário, típicos daquela época. Na janela pode-se ver um pedaço do prédio Savoy, onde está o McDonald’s e, ao lado, a construção provavelmente do Top Center, em foto de 1967.

Mesmo num apartamento pequeno, eu só tive boas lembranças de uma Avenida Paulista que está na minha vida desde sempre.

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Nasci numa travessa, no Hospital 9 de Julho, na Rua Peixoto Gomide. Estudei o maternal na Escola 7 Anões, que ficava na Alameda Santos quase com a Avenida Brigadeiro Luis Antonio, hoje é um prédio no local. Na foto, eu na entrada e, ao lado, uma festa do meu aniversário (acho que 3 anos), como a escola era pequena a festa foi para todos os alunos. Eu estou no colo da minha mãe, a primeira era a professora, à esquerda, a segunda com a mão meio levantada, minha tia Téia, e a terceira uma outra professora.

Todo o restante da minha vida escolar foi no colégio Santa Catarina de Sena, na Rua Manoel da Nóbrega e, por fim, e moro há 36 na Rua Bela Cintra.

Só bons momentos”.

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À Monica, agradecemos tanta gentileza. Não bastou revirar e reviver as memórias e o baú de fotografias para compor, para nós, está linda narrativa. Ainda fez muito mais, ela foi até o prédio da Paulista para rever onde passou alguns anos de sua infância e, muito mais, para registrar imagens que nos permitiram ver o edifício não só por fora, mas internamente, onde as histórias acontecem.

Termino o texto deste domingo, com a foto tirada por Monica, da janela do apartamento com um lindo verde de uma árvore. Uma janela que nos transporta para o passado, nos mostra o presente e, nos leva para sonhar com o futuro.

Muito obrigada por esse presente, Monica!

Até a próxima semana!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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