A história de hoje é do palacete de João Dente, que se localizava na Avenida Paulista, 55 na numeração do início do século passado, e do edifício Grande Avenida, que muitos de vocês devem conhecer ou lembrar.
Nascido em 6 de dezembro de 1880, filho de Pedro Gonçalves Dente e Fortunata Eugenia da Cruz Dente, João Gonçalves Dente formou-se na Faculdade de Direito em 1895, tornando-se advogado criminalista, com escritório na Rua Direita e posteriormente Rua São Bento, no centro de São Paulo. Foi promotor público e, no início da carreira, fez parte, muitas vezes, do jurado do Tribunal do Juri e, vejam só, sendo inclusive chegou a ser multado multado por ausência em algumas sessões.
Seu pai, Pedro, foi figura ilustre da época, tendo sido Oficial de Gabinete da Secretaria dos Negócios da Justiça e Segurança Pública e Contador do Tesouro Provincial da Província de São Paulo, tendo inclusive, em 1889, conseguido uma licença com prazo indefinido para cuidar da saúde. Ficou eternizado em pintura de Almeida Júnior realizada em 1892.
Seu filho, João Dente também era grande investidor no mercado imobiliário. Casou-se em 27 de março de 1897 com Maria Gertrudes de Faria, oriunda do município de Queluz, região em que sua família cultivava café em fazenda de grande extensão. O livro Cidade: impasses e perspectivas, organizado por Maria Lúcia de Gitahy, conta que, apesar de Dente vir de família abastada,
“segundo seu neto, Carlos Pompeo, o capital aplicado na Moóca e no Cambuci, veio em parte daí”.
Descreve ainda sobre a moradia da família: O casal morou no distrito da Consolação, mudando-se, em seguida, para a recém-aberta Avenida Paulista. O palacete ficava entre as Ruas Augusta e Peixoto Gomide e foi projetado pelos arquitetos Augusto Toledo e Luiz Pinto em 1920. Posteriormente, após sua separação, Dente mudou-se para uma casa na Vila América. Em 1930, na lista telefônica, aparece apenas o nome da ex-mulher como proprietária do local.
Uma descrição muito interessante da decoração de alguns ambientes da casa dele é proposta no livro Gênero e artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura material –São Paulo, 1870 – 1920, publicado pela Editora da USP, de autoria de Vânia Carneiro de Carvalho. No livro a autora analisa o mobiliário utilizado nas residências da época a partir da perspectiva do gênero humano – masculino e feminino – e sua força e influência na decoração da casa. Vejam na figura abaixo a página do livro a e análise detalhada dos ambientes da casa de João Dente.
Como um grande investidor, João Dente tinha muitas aquisições no mercado imobiliário, que abrangiam uma grande área da cidade, além da Moóca e Cambuci, como Sé, Santa Efigênia, Consolação e, em especial, a Vila América, onde se localizava a Avenida Paulista.
Na própria Avenida Paulista adquiriu um grande terreno de Horácio Sabino, onde construiu 5 residências para aluguel. Em 1912, o investidor solicitou a Vitor Dubugras o projeto para 3 casas na Paulista esquina com a Rua Augusta e mais duas menores de frente para a Rua Augusta.
Posteriormente solicitou ao arquiteto Victor Dubugras mais um projeto de 2 casas geminadas na própria Rua Augusta. No projeto verificamos a seguinte descrição: Vilas do Dr. João Dente – Rua Augusta – entre Paulista e Al. Santos.
Além dessas construções, João Dente levantou diversos imóveis nas ruas Cel. Cintra e Conselheiro João Alfredo na região da Moóca. Casas destinadas ao aluguel, cujo público-alvo eram os funcionários da fábrica da Antarctica.
Grande investidor como era, João Dente fez incursões em outras áreas. Comprou em 1915 o imóvel e o jornal “A Gazeta” que, depois de várias tentativas de administrar a publicação, percebeu, após dois anos, que não tinha vocação para o jornalismo e se desfez do negócio.
Casou-se, pela segunda vez, com Clelia Benini Rinaudo, com a qual teve três filhas: Jeanette, Clelia e Maria Antonietta. Em 27 de agosto de 1939 faleceu em sua casa na Rua Colômbia, no Jardim América.
Por meio de análise de mapas pressupomos que hoje no terreno da mansão está em seu lugar o Edifício Grande Avenida, que fica localizado na Av. Paulista, 1754, a cerca de 50 metros da rua Peixoto Gomide.
O edifício foi projetado pelo arquiteto Lucjan Korngold e construído pela Stan Empreendimentos, teve sua construção iniciada em 1962 e concluída em 1966.
Atualmente o prédio abriga empresas como Coteminas (MMartan/ Artex/ Santista), Stratura Asfaltos, Consulado Geral Da Suíça, ABIMAPI (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados), filial da Watch Time, assistência técnica de relógios de alto luxo e, coincidentemente (ou não!), o GTPS (Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável), a ABAG (Associação Brasileira do Agronegócio) e a empresa Produquímica.
Existem três episódios que marcaram a história do Grande Avenida.
O edifício foi palco de dois incêndios, sendo o primeiro, sem grandes proporções, em 13 de janeiro de 1969, porém, e o segundo foi um incêndio que foi noticiado em todo o mundo.
Em 14 de fevereiro de 1981, um sábado de Carnaval, o fogo iniciado na sobreloja do edifício, destruiu todos os andares do prédio, deixando 17 mortos e 53 feridos. A maioria das pessoas, eram funcionários da Construtora Figueiredo Ferraz, e estavam com um projeto atrasado, que deveria ser apresentado na quinta-feira, depois do Carnaval.
O acontecimento parou a cidade e o Brasil. Além das viaturas do Corpo de Bombeiros, transeuntes socorriam as vitimas, helicópteros particulares pousaram no MASP, na área do vão livre, para ajudar. Pessoas ali presentes escreveram com cal no asfalto: Calma! Calma!
Dos 23 andares que o Edifício Grande Avenida possui, apenas os últimos três não foram totalmente destruídos pelas chamas. Nestes andares ficavam localizadas três grandes agências bancárias, muitas salas e escritórios comerciais, além da torre de transmissão da TV Record que teve sua programação automaticamente interrompida.
O terceiro episódio que, no mínimo é muito estranho aconteceu em 9 de março de 2013. Uma mulher deixou um crânio na entrada do prédio da avenida Paulista.
Nas imagens, feitas por uma câmera de segurança, a mulher chega com uma sacola e observa a entrada do edifício. Em seguida, embrulha algo e depois retira da sacola um objeto redondo enrolado em um tecido vermelho, entra no prédio, deixa o artefato no chão e sai do edifício. O vídeo intitulado “Imagens mostram mulher deixando crânio em prédio em SP” pode ser visto aqui.
Não são só os palacetes antigos nos premiam com histórias significantes, os edifícios atuais também carregam narrativas interessantes que são parte da nossa cultura e da Grande Avenida que é a Paulista!
Semana que vem tem mais…Até lá!
Muito legal essa história, Lembro do incêndio.
Parabéns mais uma vez Lucia Contrim.
Muito obrigada, Mafalda
Luciana, linda matéria. A história que vc conta é da minha familia e meu pai, já falecido, passava horas contando com alegria. Muito obrigada pela emoção que tive ao ler sua matéria. Abraços e sucesso!
Suzana, fique muito feliz com seu comentário. Inclusive mandei um e-mail direto para você. Se por acaso não receber, por favor, me avise. Obrigada pelo contato. Grande abraço.
Lindos palacetes que viraram mostrengos de concreto. É a lei do progresso.
É verdade, Ana. Mas alguns deles poderiam ter sido preservados, não é mesmo?
Luciana, assim como minha prima Suzana, primeiramente gostaria de parabeniza-la por resgatar um pedaço da história da minha família “Gonçalves Dente”, e se fosse colocar num livro, tenho certeza que haverá fatos e importantes de São Paulo e do Brasil, desde os tempos da Monarquia/Império…infelizmente nosso país jovem ainda tem um longo caminho pela frente de respeito e preservação dos nossos antepassados e com a história do nosso Brasil.
Vi a fumaça do incêndio do início da 9 de Julho, no Vale do Anhangabaú.