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Série Avenida Paulista: em frente à prainha – Schaumann, Andraus, Lotaif e Paulista 647

É verdade que a atual Avenida Paulista guarda, pelo menos, uma semelhança com a Paulista do início do século XX: a mistura de estilos arquitetônicos dos casarões era tão evidente como a que hoje vemos nos prédios comerciais e residenciais existentes.

O casarão que é nosso tema e figura neste texto pode ser definido com um estilo diferente, por exemplo, neo-islâmico, mas não foi assim desde o começo de sua construção: vamos conferir sua história.

A mansão que ficava localizada na Avenida Paulista, na esquina com a Alameda Joaquim Eugênio de Lima foi planejada originalmente em 1896, poucos anos depois da inauguração da Avenida. Em estilo neoclássico, a residência pertencia ao político e farmacêutico Henrique Schaumann, nascido em Campinas em 1856. Sim, o mesmo que deu o nome da Avenida, muitas vezes congestionada, que fica no bairro do Jardim Paulista.

Como farmacêutico, Henrique foi para a Europa e estudou química, ciências naturais e física na Universidade de Göttingen, tornando-se doutor em 1879. De volta ao Brasil, assumiu o controle dos negócios da família e construiu a farmácia do pai, que ainda hoje é bastante lembrada: a botica Ao Veado d’Ouro. Também participou ativamente de campanhas contra as epidemias de peste e tifo, como vereador na cidade de São Paulo, além de ter sido sócio fundador do Hospital Samaritano de São Paulo.

A casa da Paulista foi terminada em 1906, com projeto dos engenheiros Augusto Fried e Carlos Ekman. A localização era perfeita, bem próxima à residência do cunhado Adam Von Bülow, que era casado com sua irmã. (A casa de Adam Von Bülow foi tema de uns dos primeiros textos escritos aqui)

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Na foto, tirada no fim da década de 1930, é possível ver as linhas curvas e listradas que caracterizam o tipo de arquitetura mourisca.

O projeto original era sóbrio, mas acabou dando lugar aos traços mouriscos ainda em meados do século 20. A mansão foi comprada por Abrão Andraus que, por coincidência, também tinha o irmão, Amin, morando na própria avenida (falaremos de seu casarão no próximo post). Nos anos 1930, a mansão ganhou vitrais coloridos com motivos orientais e outros elementos árabes, que remetiam à origem da família.

Juntamente com os irmãos Amin e Calil, Abrão era um dos sócios proprietários da famosa Casa Três Irmãos, fundada em 1900 e que funcionou durante décadas na Rua Direita número 26, perto do Largo da Misericórdia. Era chamada de Fábrica de Sedas “Três irmãos”, a loja também ostentava o mesmo estilo islâmico do casarão com linhas listradas.

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O palacete da Avenida Paulista foi vendido para a família de Josephina Lotaif, que manteve a construção com o mesmo estilo do proprietário anterior. Ignorando o proprietário inicial, a Revista Veja escreveu sobre o que motivava o cuidado com a casa, dispendido pela família Lotaif “em respeito a Abraão Andraus, o primeiro proprietário, que a (re)construiu em 1940, era impecavelmente conservada”.

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Bela fotografia de 1977 que mostra a conservação do casarão mourisco de Abrão Andraus. (Foto: Gladys Russo)

As duas horas da madrugada do dia 20 de junho de 1982 o palacete foi demolido.

“Derrubar o máximo antes que a polícia chegue” foi a ordem dada ao funcionário da empresa de terraplenagem contratada pela família Lotaif para demolir a casa mourisca. O casarão foi parcialmente destruído por motoniveladoras. A demolição foi traumática para a população paulistana. No dia seguinte, manifestações tomaram a avenida contra a derrubada das suas casas históricas.

A mesma revista publicou em sua edição de 30 de junho de 1982, a seguinte foto e trecho da reportagem:

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Mansão Lotaif: perfeitamente conservada por 40 anos….       ……….até que foi preciso fugir do tombamento.

Assim, em questão de horas, algumas motoniveladoras arrasaram um palacete e desfiguraram a mansão mourisca da família Lotaif (…) mal teve tempo de ser liberado de móveis e peças de arte, pois um fino tapete persa jazia no dia seguinte junto aos escombros da casa. (…) a família, salvou um terreno pelo qual, há pouco tempo, rejeitou uma oferta de 2,6 bilhões de cruzeiros. Josefina Lotaif, proprietária da mansão, preferiu não perder tempo e acabou jogando no entulho vitrais, pisos de mármore e afrescos.

Mas o que aconteceu?

A Revista Crescer publicou que “a trapalhada partiu do arquiteto Ruy Ohtake, então presidente do Condephaat, que confirmou publicamente que estava em andamento um projeto para tombar os 31 casarões que ainda resistiam na avenida Paulista. Vários proprietários se juntaram e começaram a demolir suas propriedades, antes que fossem protegidas pelo tombamento. O gesto triste, porém, não ilegal, deferido pelos donos dos imóveis levou a mudanças na lei de tombamento”. A lei não oferecia nem uma compensação para as famílias, que perdiam o direito de venda do imóvel e do terreno.

Desastre anunciado: meses antes, três famílias proprietárias de casarões, incluindo a família Lotaif, se recusaram a receber a notificação da Secretaria da Cultura informando que o imóvel entraria em estudo para o tombamento. O titular da pasta na época, João Carlos Martins, classificou o episódio da demolição como um “ato de vandalismo“.

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Motoniveladora destruindo o palacete. Foto: Revista Crescer.
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Demolição do palacete Lotaif.

Na esquina da Paulista com a Joaquim Eugênio de Lima (este que foi um dos fundadores da “Avenida dos Casarões” )­, depois da demolição do palacete, funcionou por anos um estacionamento.

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Estacionamento que surgiu após a demolição da mansão da família Lotaif

A demolição do casarão impactou a população, a mídia, as autoridades e, principalmente, àqueles que diariamente passavam pela Avenida Paulista. Tanto que o fato foi motivo para uma ilustração crítica do cartunista Luis Gê.

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E esse impacto continua até o dias atuais, tanto que é muito bacana quando sabemos que, por conta deste trabalho, outros acabam vindo à tona, como descobri hoje, início do mês de maio de 2016, um belíssimo desenho da mansão feito a partir da imagem publicada aqui. A autora do desenho é Silvia Oliveira, que permitiu que o desenho fosse compartilhado com todos aqui na Série Avenida Paulista.

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Desenho de autoria de Silvia Oliveira

Apenas no início de 2012, naquele terreno que antes era estacionamento, começou a construção do edifício com 12 pavimentos que se chama: Edifício Paulista 867.

O projeto arquitetônico é da empresa Aflalo/Gasperini Arquitetos. Com investimento na ordem de 30 milhões de reais, a construção é de responsabilidade da Matec Engenharia. O projeto do Edifício Paulista 867 pode ser visto abaixo ou diretamente no site do projeto. neste link Edifício Paulista 867. Sim, é verdade, eles tem um site próprio para incentivar as vendas!

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Ainda em construção, o edifício  tem previsão de término e entrega em 2016, mas as vendas já estão sendo realizadas pela Cushman&wakefield. Na foto abaixo, o início da construção com os tratores retirando a terra para fazer os alicerces.

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Foto: Marcio Staffa

A construção externa do edifício já pode ser conferida aqui e diretamente na Avenida Paulista.

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Foto: Google Street View.

Semana que vem é a vez do casarão de Amin Andraus. Não perca!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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