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Série Avenida Paulista: a história do Ministro Rocha Azevedo – Parte 4

Chegamos a última história de família contada por Maria Eugenia, bisneta do Ministro Rocha Azevedo. Temos muito a agradecer a ela, não só pelas saborosas memórias de família, que encantaram muitos de nós, mas também por sua generosidade em compartilhar conosco lembranças de família que, também, compõem e eternizam uma parte da história de São Paulo.

Para encerrar essa série, realizada dentro da Série Avenida Paulista, conheceremos a história do Ministro Rocha Azevedo contada graciosamente por sua bisneta.

Álvaro Gomes da Rocha Azevedo- O Ministro e o Bivô.

Álvaro Gomes da Rocha Azevedo, meu bisavô, nasceu na cidade de Campanha no Estado de Minas de Gerais no dia 26 de Janeiro de 1864. Era o filho mais velho de João Fernando Gomes da Rocha e de Azevedo Villas Boas e Antas da Silva Soares e Ignácia Julia Midões Ribeiro de Rezende.

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Mãe de Álvaro, Ignácia Júlia Midões Ribeiro de Rezende.

O pai João Fernando, Morgado de Santo André, havia nascido em Portugal, na Freguesia de São Martinho de Coura, pequena vila do distrito de Ponte do Lima. Portugal vivia um período difícil e ele, vencendo a resistência da família, embarcou no porto de Viana do Castelo, em 8 de novembro de 1855 no “brigue” Mentor em direção ao Brasil.

Desembarcou no Rio de Janeiro sendo recebido por um amigo de seus pais que o hospedou e o auxiliou a se fixar no país.

Mais afeito aos ares do campo, transferiu-se para a cidade de Vassouras, no Estado do Rio de Janeiro, cidade serrana que na época era muito próspera, coração do Brasil Império, movida pela economia do cultivo do café.

Depois de um tempo casou-se com Ignácia de tradicional família luso mineira residente na cidade de Campanha em Minas Gerais. Com o casamento, transferiu-se em definitivo para lá comprando a fazenda Pomária, nas proximidades de Cambuquira.

Álvaro foi o primeiro filho e passou toda a infância com os avós maternos Francisco Marcos Ribeiro de Rezende e Dona Francisca Guilhermina de Paula Gomes de Midões.

Viveu com eles até maio de 1881 quando veio para São Paulo com apenas 17 anos sendo acolhido por um tio materno, Estevão de Rezende.

Fez então os exames preparatórios e matriculou-se na tradicional escola do Largo de São Francisco, se formando em direito no dia 13 de novembro de 1888.

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Álvaro Gomes da Rocha Azevedo na época da Faculdade de Direito.

Já durante seu tempo de estudante começou a se destacar por seu saber, sua dedicação aos estudos e seu entendimento austero e objetivo. E também por sua paixão pela política. Era abolicionista e republicano convicto e ainda no tempo de estudante foi um dos fundadores do Clube Republicano Mineiro. Depois de formado fundou o Centro Republicano de Mococa. Nessas instituições pode lutar por seus ideais, defendendo a criação da República.

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Quadro dos fundadores do Clube Republicano Mineiro. 1883.
Álvaro está marcado no centro da segunda fileira superior.

A vida Pública:

Começou a advogar na cidade de Mococa e quando a República foi declarada foi nomeado Intendente Municipal. Mas logo foi escolhido pelo governador, na época chamado presidente de São Paulo, Prudente de Moraes, para assumir o cargo de Juiz Municipal e de Órfãos, de Mococa.

Em 1892 foi nomeado por Bernardino de Campos, Juiz de Direito de Caconde, inaugurando o Juizado daquela cidade.

Depois de ter organizado e instalado o Juizado, Álvaro pediu exoneração do cargo pois queria voltar a se dedicar ao Direito e queria faze-lo na cidade de São Paulo já que nessa época havia conhecido minha bisavó Maria Eugenia com quem se casaria.

Foi eleito vereador em 1905, 1908,1914,1917 e 1920. Em maio de 1917 enquanto exercia seu mandato de vereador foi eleito vice-prefeito da cidade de São Paulo.

Cabe ressaltar que nessa época o cargo de vereador não era renumerado! Era uma honra ser eleito para esse cargo e ele o usou para servir aos interesses públicos com sua honestidade e competência financeira.

Entre suas atuações mais importantes está o auxílio que prestou para a criação do Instituto de Previdência Municipal de São Paulo, o primeiro do Brasil!

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Ministro Rocha Azevedo em seu gabinete, 1919.

Rocha Azevedo assumiu o cargo de prefeito durante cinco meses entre agosto de 1919 e janeiro de 1920, voltando depois ao cargo de vereador. Quando Washington Luiz assumiu a presidência do estado escolheu Rocha Azevedo para assumir o cargo de Secretário da Fazenda e do Tesouro de São Paulo. Segundo consta, examinava meticulosamente todos os negócios públicos, fazendo uma administração firme e ponderada.

Contava-se que uma pessoa o procurou para vender ao governo paulista alguns milheiros de um folheto interessante. Rocha Azevedo ouviu atentamente o proponente, e, com a delicadeza que lhe era peculiar, disse: -sinto meu amigo não poder atende-lo, pois não há verba no orçamento para essa despesa. Mas, retrucou o dono dos folhetos, o assunto do meu livrinho é interessante.  Ao que o Dr Rocha Azevedo, levantando-se contestou: – aqui só é interessante o que não tira dinheiro do Tesouro; em minha casa posso fazer favores, aqui cumpro a lei suprema, que para mim e neste momento é a do orçamento. Passar bem!

Em 1924 foi nomeado Ministro do Tribunal de Contas com aprovação unânime do Senado e ficou nesse cargo até 1929. Quando o Presidente do Tribunal de Contas, Jorge Tibiriçá faleceu, Álvaro foi eleito por unanimidade para assumir o cargo.

Recebeu pessoalmente do Rei Alberto da Bélgica, a Comenda da Ordem da Coroa, quando o monarca esteve em visita oficial ao país em 1920. Também recebeu a Comenda da Ordem do Sol Nascente do Império do Japão.

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À direita, Comenda da Ordem da Bélgica e, à esquerda, Comenda da Ordem do Sol Nascente – Imagens da internet

Em 12 de dezembro de 1930, já instalada a ditadura de Getúlio Vargas, o Tribunal de Contas foi sumariamente extinto e Rocha Azevedo afastou-se definitivamente da vida pública, por não poder compactuar com o que estava acontecendo.

Decepcionado com a política, dedicou-se integralmente à família e ao Direito.

A vida em família

Álvaro teve muitos irmãos; doze para ser mais exato. Todos nasceram e foram criados em Minas Gerais como ele mesmo. Quando já estava estabelecido em São Paulo, chamou os irmãos para que se mudassem para perto dele e sempre manteve uma relação próxima com eles e com as irmãs.

O homem da política e do Direito era também um jovem apaixonado escrevendo poesias para a noiva que amava. Alguns desses bilhetes, escritos com letra caprichosa em papel decorado, foram encontrados no criado mudo de Maria Eugenia, quando ela faleceu aos 90 anos.

Ao longo de 70 anos, ela guardou com carinho essa lembrança da juventude de ambos.

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Em 24 de Novembro de 1894 Álvaro se casou com Maria Eugenia Alvares de Lima e foram morar na casa nº 58 da Avenida Paulista; chalé dado pelo fundador da Avenida e pai da noiva, Joaquim Eugenio de Lima, meu tataravô.

Desse casamento nasceram Jacyra, Nair, minha avó e mais tarde, Álvaro Filho.

Era um homem formal; minha mãe, sua neta, conta que ele já descia as escadas para tomar café da manhã vestindo colete, paletó e gravata.

Mas nas fotos vemos seus filhos achegados a ele, descontraídos mostrando manterem uma relação afetuosa e próxima com o pai.

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Álvaro com as filhas Jacyra e Nair, minha avó, com apenas 5 anos, 1913.
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Gosto dessa foto, apesar de estar bem danificada. A maneira com que os filhos se achegam a ele durante o passeio, revela a relação carinhosa que tinham.

Além de sua paixão pelo Direito e pela política, a família era o centro da vida de Álvaro. Ele adorava ficar em casa, no seu escritório, lendo e fazendo a contabilidade doméstica. Das janelas abertas podia ver o jardim lateral da casa, com suas árvores e cheio de canteiros de flores.

Era um latinista e quando o filho Alvrinho ficou rapaz gostava de conversar com ele naquela língua.

Não era homem de festas ou de frequentar a sociedade. Mas em casa, tocava flauta transversa e gostava de acompanhar a mulher quando ela tocava piano e a filha Nair tocava violino em saraus familiares.

O casal vinha sempre ao Rio de Janeiro para visitar as irmãs de Álvaro, Erycina e Marietta que haviam se casado e se fixado na capital. A outra irmã Antonietta se mudou para Portugal. A mãe e as irmãs de Maria Eugenia, também havia se mudado para Copacabana então as visitas ao Rio eram frequentes e alegres.

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Rocha Azevedo com irmãos e filhas. Da esquerda para direita – em pé: A irmã Marietta seu marido, Pedro, a irmã Erycina, a irmã Antonietta e a filha Jacyra. Na frente, sentada, a filha Nair, Álvaro, Sr Santos, marido de Erycina, Santinha e Pedrinho, filhos de Marietta.

Nos meados dos anos 20 ele e minha bisavó Maria Eugenia fizeram uma viagem à Europa, na companhia do filho mais novo Alvrinho. Na época, Álvaro pediu licença no cargo público para poder se ausentar. Embarcaram num navio a vapor, alugaram um apartamento em Paris e de lá viajaram para vários lugares. Foi a grande aventura da sua vida!

Me lembro de quando criança ficar impressionada com uma das malas que sobreviveu ao tempo. Parecia um pequeno armário com varão para roupas em cabide, gavetas e outros compartimentos. Quanta diferença dos nossos dias! As viagens em navios não pediam economia de peso nem de espaço de bagagem e o tempo também não era uma preocupação…

Sempre cuidadoso com o patrimônio da família e zeloso pelo futuro dos seus, Álvaro construiu 8 casas no terreno da casa da Avenida Paulista. Acreditava na máxima que “dinheiro não aceita desaforo” e preferia ter a segurança de um patrimônio em cimento e tijolos.

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Em 1938, a irmã Antonietta veio de Portugal para uma visita ao irmão. Vemos a família reunida da lateral do jardim, estando Alvrinho de pé ao lado da irmã Jacyra, Maria Eugenia em pé ao lado do marido e Antonietta sentada com a filha Silvia lendo alguma coisa.

Álvaro viveu cercado pela família. Sofria de diabetes e depois de uma queda no Rio de Janeiro, fraturou o fêmur. Nunca mais se levantou.

Morreu na casa que recebeu quando casou e que transformou num lar. Viveu e morreu estimado pela família e admirado pelos que haviam acompanhado sua vida pública. Para todos era o Ministro Rocha Azevedo mas para a família era o pai amado, o vovô…

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Bivó Maria Eugenia, como me lembro dela e Bivô Rocha Azevedo que morreu antes de eu nascer, mas me deu uma casa com histórias para contar.

Foi emocionante mergulhar e organizar tantas lembranças, retratos e relatos para escrever esses quatro artigos para o SPCity. Fiz minha mãe Yolanda e minha tia Renata, as Damas, reviverem tantas emoções, lembrarem de tantas histórias! Sem elas não teria conseguido…

São histórias não de uma família em particular, mas de uma época, de um modo de viver… Se vocês gostaram vejam o filme que fiz em homenagem à minha avó Nair, contando parte dessa história.

Por fim meu profundo agradecimento à simpatia e confiança de Luciana Cotrim que me convidou a escrever e me deu essa oportunidade maravilhosa de compartilhar essas histórias.

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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