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Série Avenida Paulista: da casa de Abrahim Maluf ao Edifício Regina

A Série Avenida Paulista desta semana apresenta mais uma casa que ficava em uma esquina importante da avenida, a com a Avenida Brigadeiro Luis Antonio. A propriedade, no no número 113, era a residência da família do Sr. Abrahim Maluf.

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Residência da família do Sr. Abrahim Maluf.

A imagem acima exibe a casa fotografada pelo lado da Avenida Brigadeiro Luis Antonio e mostra algumas características de seu terreno: mais estreito no lado da Avenida Paulista e bem profundo pelo lado da Brigadeiro.

Mas antes de apresentarmos detalhes da casa, vamos conhecer um pouco mais sobre o seu proprietário, o Sr Abrahim Maluf. Ele nasceu no Líbano, em 1884 e quem contará essa bela história será o Sr. Luiz Fernando Maluf, bisneto do Sr. Abrahim, proprietário da casa, que gentilmente compartilhou conosco algumas lembranças familiares. Temos muito a agradecer ao Sr. Luiz Fernando por essa contribuição.

Luiz Fernando conta sobre o bisavô:

Abrahim Maluf imigrou da cidade de Baalbek no Líbano para o Brasil na virada do século 20. Inicialmente veio sozinho e foi trabalhar de mascate nas fazendas da região de Tambaú, no estado de São Paulo.

Carregava duas malas em suas costas sobre uma vara de guatambu – uma árvore alta e frondosa -, fato este que o fez ficar com os ombros tortos, deformidade esta que depois virou motivo de grande orgulho por parte dele.

Quando conseguiu se estabelecer, voltou ao Líbano para trazer para o Brasil sua noiva, a Sra. Essem Ara Maluf, sua mãe, Sra. Latif e seus irmãos Nagib e Elias, entre outros.  

Abrahim Maluf, juntamente com seus irmãos e filhos, dedicaram-se à extração e ao comércio de madeiras. De Tambaú, ele veio para São Paulo, onde radicou-se na rua Barão de Duprat e de lá mudou-se para a Avenida Paulista.

Expandiu seus negócios para Minas Gerais e Paraná, além das cidades de Santo André e Santos”.

Verificamos que, em notícias de jornais da época, que ele tinha propriedades na região de Santana e na Cantareira, inclusive foi neste caminho que um dia sofreu um grave acidente. Vejam a notícia publicada no jornal Correio Paulistano em 1938, sobre o acidente.

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Interessante refletir sobre os costumes de cada período da história. Nesta época, era hábito dos homens viajar nos estribos do bonde. Não era proibido.  Atualmente, se não usarmos o cinto de segurança no carro, somos multados. É a evolução dos tempos.

Outra questão interessante, muitos imigrantes daquele período, “aportuguesavam” seus nomes, como pode ter acontecido com o Sr. Abrahim que, usou Abrahão. Muitos dos imigrantes solicitaram, inclusive, cidadania brasileira.

Luiz lembra de muitas histórias da família, que guarda para contar para futuras gerações, como a de sua tia:

Um fato curioso é que a residência de Gabriela Dumont, irmã do Sr. Alberto dos Santos Dumont também ficava na Av. Paulista (você pode ler o artigo desta casa clicando aqui) e eram vizinhos da minha família.

Minha tia Durvalina Maluf, morava na casa da Paulista quando do falecimento do Santos Dumont e uma história que ela sempre contava era do dia em que esteve no velório do Santos Dumont. Nós brincávamos muito com isso, com ela. Ela era um verdadeiro livro vivo sobre a história de São Paulo.

Uma outra história familiar, além de interessante, ajuda posicionar a época. Meu avô (que era filho do Sr. Ibrahim) e minha avó eram vizinhos na Rua Barão de Duprat, onde a família morava antes de ir para a Avenida Paulista. Minha avó havia ficado órfã quando era criança. Eles se casaram em 1924, acho que em fevereiro e foram morar no bairro de Santana.

Meu avô Alfredo era um dos envolvidos na revolução de 1924. Em novembro deste ano, minha avó estava grávida da minha tia mais velha, a Tia Durvalina, quando o exército levou preso meu avô. Minha avó, então, teve que fugir, e fugir a pé, para a casa do sogro que, na época, já era na Avenida Paulista. Quando lá chegou, devido ao esforço e ao terrível susto que levou, deu à luz, prematuramente, a minha tia.

Meu avô ficou preso até 1925, quando conseguiu sair, tiveram que se mudar para o interior do Paraná, para que ele ficasse escondido no fim do mundo. Como eles não tiveram condições de levar junto uma criança de 1 ano de idade, deixaram a Tia Durvalina com os avós na casa da Paulista, e foram sozinhos para lá, onde tiveram mais 4 filhos, sendo meu pai o caçula. Lá ele montou a empresa que se chamava Serraria Central do Paraná.

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Os homens posam na frente da Serraria Central do Paraná. O Sr. Alfredo Maluf é o da esquerda.

Eu ainda tenho um armário de guardar alimentos, bem pequeno e bem simples, que foi feito pelas próprias mãos de meu avô, quando eles tiveram que “fugir” para o Paraná, pois quando lá chegou, não tinha nada, teve que fazer um lugar para guardar seus mantimentos e assim o fez.

Quarenta anos depois, em 1964, eu nasci e a casa da Av. Paulista já havia sido demolida. Ocorreu então que minha mãe trabalhava na General Motors do Brasil e então eu fui praticamente criado por essa minha tia Durvalina que morou sua infância e juventude na casa da Av. Paulista. Por esse motivo é que praticamente 2 gerações se pularam e eu vim a escutar tantas coisas de lá.

Meu avô, depois de ter participado das revoluções de 1924, 30 e 32, foi o primeiro Maluf a entrar para a política. Mudou-se para a cidade de Santo André onde foi vereador e prefeito. Lá foi um dos autonomistas que separaram os municípios do ABC, que até então eram um só município.

Outra coisa: Vocês devem estar se perguntando se éramos parentes de Paulo Maluf, não é mesmo? Meu bisavô era parente do Sr. Salim Farah Maluf, pai do Sr. Paulo Salim Maluf, mas não temos mais contato com essa parte da família.

Lembro-me também de duas outras histórias que minha tia contava, uma delas era que ela gostava de ir em uma padaria que ficava na Rua Brigadeiro Luis Antonio, padaria esta que se chamava “Pão de Açúcar” que originou o grande grupo comercial, que era do empresário Abilio Diniz e hoje pertencente ao grupo francês, Casino. Era apenas uma lojinha.

Outra história que também contava, era que ela adorava descer a Avenida Brigadeiro para ficar observando o Vitor Brecheret esculpindo – no lugar onde hoje se encontra – o monumento das bandeiras.

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Visão parcial da casa, pelo ângulo da Avenida Paulista.

Sobre a casa a da Avenida Paulista, o Sr. Luiz conta que:

O portão principal ficava de canto, na esquina, e um outro ficava na Avenida Paulista. Na lateral da casa – que era a Rua Brigadeiro Luis Antonio, haviam algumas lojas comerciais que eram dele também, e ele as alugava.

Minha tia sempre contava histórias do “Salão Verde”, que era o local onde se realizava os grandes eventos importantes, que eram realizados na casa.

Parte do mobiliário e dos utensílios do casarão da Paulista estão hoje em minha casa e pasmem: muitos ainda estão em uso diário. Hoje sento nas poltronas e sofás que foram dessa casa, minha roupa está guardada no guarda roupa que era dele e até os lençóis, de algodão egípcio, bordados com o monograma “A&E” – Abrahim e Essem estão sendo usados.

Após a morte de meu bisavô, a casa foi vendida e deu lugar ao primeiro edifício construído na Avenida Paulista.

A casa cumpriu seu papel como lugar de morada de uma família libanesa, que veio para o Brasil para fazer a América, e prosperou com várias outras famílias de imigrantes que tiveram residência na Avenida Paulista.

Em nossas pesquisas verificamos que este endereço recebeu um outro ilustre morador: o Sr. Sylvio Brand Correa, advogado, que atuou na indústria têxtil, membro da FIESP – Federação das Indústrias de São Paulo.  Em 1939, fundou com Sebastião Camargo, uma pequena construtora, a Camargo Corrêa & Cia Ltda Engenheiros e Construtores, com um capital de 200 contos de réis.

Ficou conhecido como um dos fundadores da Construtora Camargo Correa. Aliás, o segundo nome da construtora é o seu sobrenome. Vejam só, a empresa cresceu muito na época em que o governador de São Paulo era Adhemar de Barros, que era cunhado de Sylvio Brand Corrêa. Ummmh, sei!

Provavelmente ele tenha sido um dos primeiros moradores do Edifício Regina. Foi construído para ser um prédio residencial, com um apartamento por andar.

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Em anúncio do jornal O Estado de S. Paulo, de 07 de maio de 1950 era divulgado que era “Exclusivamente para residências finas, no melhor ponto da Avenida Paulista”,

Como publicado no jornal: “Na época, o texto do anúncio da imobiliária Itaoca ressaltava o potencial do endereço e do lançamento: “Constitui ponto de referência, já pelo imponente de sua massa arquitetônica, já pela beleza de suas modernas linhas.  Em situação tão excepcional, os apartamentos do edifício Regina – um por andar – são super-confortáveis, recebendo luz direta em todas as suas dependências e descortinando maravilhosa vista da cidade.  Faça uma visita ao edifício Regina e verifique o seguinte: seus apartamentos nada deixam a desejar em grandiosidade e conforto!

Informava ainda que o apartamento era constituído por um vestíbulo, living, 4 dormitórios, dois banheiros, copa e cozinha, sala de jantar, 2 quartos e banheiro para empregada, e terraços e garagem no subsolo, comunicando diretamente com o elevador principal.

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Na época do lançamento, no fim da década de 1940, foram clicadas por Sebastião A. Ferreira a foto acima e s outas belas imagens de detalhes do edifício.

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Na reportagem de 2013, o jornal ainda afirma que “o jardim do edifício Regina, planejado por paisagistas franceses, foi substituído por calçadas, disputadas por ambulantes e pedestres. Nas varandas das fechadas, vidros por causa do intenso barulho do trânsito, mostram que o prédio mudou bastante desde o lançamento, há 60 anos”.

Mas como foi a mudança do edifício de residencial para comercial? Descobrimos isso em anúncio de leilão de um dos andares realizado em setembro de 2016.

A descrição do 6 º andar é que possui 302,68m² de área construída, 1 vaga de garagem, trata-se de um conjunto comercial com recepção, auditório, 3 salas, 4 sanitários, sala de arquivo, copa e depósito”. O lance inicial do leilão foi de R$4.500,000,00 (quatro milhões e quinhentos mil reais). Observado que na documentação consta que o imóvel possui uso residencial, mas na Convenção do Condomínio, de abril de 1999, está a alteração da destinação para fins comerciais.

Atualmente, escritórios de advogados, empresas de RH, escola de games SAGA e até a Academia de Estudos e Aperfeiçoamento Maçônico, Paramaçonico e Holístico, a Maçonaria Elite do Brasil, são locatários do edifício. No nível térreo existe uma grande loja da Hering.

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Foto: Grupo EC

Em 2012, o prédio ganhou relevância por receber um mega grafite em sua parede lateral.  A obra foi batizada com o nome de “O Entusiasmo de Anakuma”, uma inspiração de deuses astronautas e foi executada pelo artista plástico Rui Amaral, que grafitou o Beco do Batman e a passagem da Paulista com Consolação, a caixa d’água do Parque Mario Covas.

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Mural de Rui Amaral na Av. Paulista. | foto © LOST ART

Na obra também era visível as imagens de “Bicudo”, personagem amarelo bem presente nas obras do grafiteiro. Amaral teve a ajuda de mais grafiteiros para realizar a obra que durou uma semana e estava em toda a fachada do prédio que tem 35 metros.

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O personagem “Bicudo” aparece em vários lugares da obra. | foto © LOST ART

Ainda antes de completar um ano, o painel já estava ameaçado de ser retirado pelos proprietários e administradores do prédio, mas a Almap, agência de propaganda, e a GE do Brasil viabilizaram a renovação do pagamento. Mesmo assim, o painel em grafite durou pouco, foi apagado em 2014.

Até a próxima!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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