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Série Avenida Paulista: da família Mignone ao Paulista 407

A Série Avenida Paulista apresenta, nesta semana, duas casas geminadas (formato que quase não existia na avenida), de propriedade do Sr, Azevedo Marques, que foram construídas para investimento como o objetivo de serem colocadas para aluguel.  Atualmente, no local encontra-se o edifício Paulista 407.

O projeto arquitetônico das casas era de autoria de Ramos de Azevedo, que as construiu em 1911, no mesmo ano em que também construiu a residência do Sr. Azevedo Marques, que morava quase em frente a eleas (a história de Azevedo Marques pode ser lida neste link).

Entre os anos de 1917 a 1930 verificamos em listas telefônicas da época que a casa de número 154 teve apenas um locatário: a casa era alugada por Henrique Metzger, e a casa 156, teve dois: Braz Alario até meados de 1920 e João Reuter depois dele.

Henique Metzger,  da casa de número 156, era um comerciante que importava muitos tipos de produtos para vender em lojas no centro da cidade. Em anúncio de jornal de 1916 verificamos a diversidade de produtos oferecidos, que iam desde remédios – com grande enfoque – à banha, bacalhau, velas, açúcar, arame farpado, cimento, fósforos, telhas, soda caustica, vinhos, farinha de trigo, etc….

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Em 1920, um pedido de concordata da empresa foi feito pelos Bancos Ítalo-Belga e Francês e Brasileiro juntamente com a Moinho Santista. Apesar disso, o comerciante continuou com as importações e vendas, e a partir daí recebeu muitos protestos de prováveis credores.

Depois disso, soubemos que a casa 156 foi ocupada pela família italiana Mignone e essa história quem vai nos contar é Loreana, bisneta de Angelina De Cunto Mignone, que alugou a casa.

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Essa é uma típica história dos imigrantes italianos que vieram para São Paulo no começo do século passado e que Loreana nos dará o prazer de saborear neste domingo.

Agradecemos imensamente a Loreana pelo compartilhamento desta história tão genuína e muito característica de muitos cidadãos paulistanos.

Com a palavra Loreana:

“Foi minha bisavó quem alugou a casa da Avenida Paulista: Angelina De Cunto Mignone, que era casada com Giuseppe Mignone. A casa tinha 14 metros de frente e era geminada, como podemos ver na foto acima.

De frente a casa não parecia grande, mas era muito profunda, tinha 70 metros de profundidade. Ainda está lá o resistente Instituto Pasteur, ao seu lado direito.

Minha bisavó começou a morar nessa casa, com certeza, no começo da década de 30. Logo quando ela alugou, ela fez da casa (do lado dela, claro…), uma pensão familiar, atividade muito comum dos italianos que vieram para o Brasil, pois era uma forma de fazer dinheiro rápido.

Também moraram na casa, minha avó, Filomena Mignone Costantino, casada com Ferdinando Costantino, que tiveram 2 filhos: minha mãe, Angela Elliana Maria Costantino, e meu tio, José Alessandro Costantino.

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Minha mãe, Angela, a bisa, Angelina e minha avó, Filomena.

Minha bisavó trabalhava com os Matarazzo; foi governanta da casa de uma irmã da Condessa Virgínia Matarazzo Hipólito, que também morava na Avenida Paulista, perto do 1740, onde era o Banco Real.

Meu avô trabalhava no banco dos Matarazzo, da Praça Patriarca, e também era uma espécie de cobrador – ia atrás dos devedores. Era comum as famílias de imigrantes trabalharem com os Matarazzo – isso porque eles costumavam empregar aqueles que vinham de Castellabate, em Nápoles, na Itália, cidade natal de meus bisavôs.

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Castellabate é uma vila medieval encantadora localizada no Parque Nacional do Cilento, no extremo sul do Golfo de Salerno. Encrustada em uma montanha, a vila tem cerca de 8.500 habitantes e 36 km², com casas feitas em pedra nas vielas, com vista para o mar do Golfo de Salerno. Em 1998, a UNESCO declarou Castellabate com Patrimônio Mundial.

Minha avó era prima do maestro Mignone, talvez o parente mais conhecido da família. Pianista, regente e compositor de música erudita brasileiro, talvez uns dos mais importantes do Brasil.

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Francisco e, sua esposa, Maria Josephina Mignone.

A história da minha bisavó dá um filme. Ela nasceu em Castellabate, e já era comprometida para casamento, com meu bisavô porque as famílias eram amigas.

Os tios do pai do noivo resolveram criar minha bisavó. A mãe dela, que tinha outros oito filhos, terminou, depois de reagir, aceitando. Afinal, as duas famílias iam se unir. No entanto, minha bisa nunca amou o meu bisavô, mas depois de seis anos se negando, terminou se casando.

Mas houve um fato, antes do casamento, que merece ser relatado: ela, enquanto se recusava a casar, apareceu no sobrado da casa durante o Carnaval, ainda em Castellabate. Os pais adotivos dela não a permitiam sair de casa até que ela cedesse e se casasse.

Os foliões, ao vê-la na varanda, foram até a casa onde ela estava e pediram para o pai adotivo deixá-la descer. Esse pai adotivo queria bater nos rapazes! – era um homem de 2 metros, ameaçador. Nós temos uma pintura dele em casa. Brinco que ele parece um pouco o Freud… É interessante porque foi pintado em uma tela de lata! Particularmente, eu adoro esse quadro.

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Tela com o retrato de Domingos Mignone, tio-bisavô do Giuseppe Mignone, que foi casado com minha bisavó. Em sua época, foi um opositor político e, por isso, ficou onze anos preso.

Ela ficou em Castellabate durante a primeira guerra, com quatro filhos, enquanto meu bisavô vinha para o Brasil vender os enxovais que ela costurava.

Terminada a Primeira Guerra, ela veio para o Brasil com 4 filhos – os que sobraram, porque ela perdeu duas filhas quando da epidemia de gripe espanhola. Ela era uma mulher fantástica. Todos que vinham de Castellabate paravam para falar com ela e pedir conselhos. Ela era uma figura importante no povoado de Castellabate.

Primeiro, eles moraram em Jaú, onde meu bisavô abrira um hotel (Hotel Mignone). Depois, como não tiveram muito sucesso, resolveram mudar para Santos, e continuaram com o Hotel.

Nessa época, minha avó, adolescente, conheceu meu avô. Eram vizinhos, e minha avó, extrovertida, realizava o que hoje podemos chamar de bailinhos no Hotel.  Ela saía para o quintal e via meu avô, que claro, se apaixonou por ela.

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Ferdinando Costantino, meu belo avô.

Ele era um napolitano bravo, mas lindo…! Meu avô materno, que lutou na I Guerra Mundial, com 17 anos. Ele ficou a noite toda em um rio, com água até os joelhos, no norte da Itália, o que lhe deixou com reumatismo pelo resto da vida. Também não tive a felicidade de conhecê-lo. Quando a pessoa o conquistava, ele se transformava: ficava alegre, amável. Ele gostava de cantar e de falar o dialeto napolitano. Até a empregada da casa, Adelina, que ficou com minha família mais de 50 anos, entendia tudo o que ele dizia.

Infelizmente, o Hotel Mignone sofreu um incêndio e eles perderam tudo. Então, com a roupa do corpo, toda minha família resolveu vir para São Paulo. Minha bisavó resolveu tentar a pensão na cidade. Eles ficaram hospedados com amigos, até ela conseguir alugar a casa na Avenida Paulista. Acredito que ela tratou com a esposa do arquiteto que fez a planta da casa.

Minha família viveu momentos maravilhosos na casa da Paulista, como o casamento de “Mena”, apelido de minha avó Filomena. A foto abaixo foi tirada na entrada da casa da Av. Paulista, toda enfeitada para a festa. Ela se casou em 1934.

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Ferdinando e Filomena posam pra foto na entrada da casa da Avenida Paulista.
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Da direita para à esquerda, primeira fila: Gottardo de Cunto, Alferio Migone (de óculos e terno preto), foi um grande flautista na época. Irmão do maestro Mignone. Ao seu lado, está o marido de minha bisavó, Giuseppe Mignone, também irmão do maestro. No centro, meu avô Ferdinando Costantino e a noiva Filomena Mignone. A terceira pessoa depois da noiva, à direita, é minha bisavó Angelina De Cunto Mignone.

Foi uma linda festa com muitos familiares e convidados. A fotografia foi feita nos fundos da casa da Paulista. Do lado direito da imagem, é possível ver a parte lateral do Instituto Pasteur, e do lado esquerdo, a casa dos dos Ambuba

Minha mãe passou a infância e parte da adolescência na casa da Paulista. São muitas lembranças de uma casa que a abrigou durante este período da vida. Ela lembra que brincava com meu tio, na ladeira da casa. Havia uma ladeira imensa, e eles corriam, subindo e descendo. Imagina que gostoso que deveria ser?

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Minha mãe no portão da casa. O que será que que havia nestas mãozinhas que fez com que ela levantasse a perninha para melhor mexer no que gerou sua curiosidade!!!

Ela conta também que meu avô colocava naquelas vitrolas antigas, músicas napolitanas, de Roberto Murolo, e eles adoravam ouvir. Quer ouvir um pouquinho?

Essa música chama-se Voce ‘e notte (“Voz da Noite”). Em um trecho, ele canta para sua amada não ir até à janela porque ela tem certeza de que é ele, seu admirador. E minha bisavó, que foi brindada com essa serenata de um admirador, estava de fato espiando para saber quem era o admirador. Na verdade, foi meu bisavô que estava cantando para ela.

Minha família sempre amou essas músicas. Minha bisavó esteve na Itália em 1948, e quando retornou, trouxe partituras dessas músicas. Meu tio lembra de minha mãe tocando piano na casa.

Voltando para a casa da Avenida Paulista.

Como podemos ver nos desenhos do projeto de Ramos de Azevedo realizado para o Dr. Azevedo Marques, as casas eram geminadas, de dois andares, tinham uma bela fachada, com duas salas e 4 dormitórios no piso superior.

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O corte longitudinal mostra que as casas eram profundas, com uma extensa área ao fundo com apenas o pavimento térreo. O quarto de minha mãe era o da varanda. O do meu tio era o que ficava em cima da entrada principal.

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Minha avó morou na casa por uns 20 anos; meu avô teria comprado, mas a dona acabou vendendo porque recebeu uma proposta mais vantajosa. A proprietária era a esposa de Azevedo Marques, a Ana de Azevedo Marques. Ela morava em frente ao Pasteur, esquina com a Carlos Sampaio. Minha avó atravessava a rua para pagar o aluguel.

Eles moravam na casa do lado esquerdo, e na casa da direita, morava uma família de árabes de sobrenome Ambuba. As famílias davam-se muito bem, mesmo depois de sair da casa, minha avó manteve contato com eles.

Como muitos outros sírios libaneses que moraram na Avenida Paulista, Abdo Ambuba nasceu na cidade de Homs, na Síria.  Como imigrante, chegou ao Brasil em 1900 e estabeleceu-se com o comércio de tecidos e armarinhos e depois montou uma indústria. Antes da Paulista, a família morou em um grande sobrado, onde tinham a loja na Rua Oriente, lugar onde nasceram os filhos de Abdo.

Foi grande benemérito, um dos fundadores do clube Homs, localizado na Avenida Paulista, contribuindo com várias instituições de caridade como: Sanatório Campos do Jordão, Sociedade Beneficente da Mãe Branca da Velhice, e auxiliou diversas Instituições e Igrejas existentes em São Paulo.

Recentemente, meu tio José Alessandro montou uma maquete da casa da Avenida Paulista para termos de lembrança.

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A casa tinha 4 quartos no sobrado; 3 minha bisavó alugava. No primeiro andar, havia um quarto que dava para o quintal – o quarto dos fundos, era o da minha avó. Ela alugava um quarto desse andar também. A sala de visitas também ela subalugava.

Minha mãe disse que havia 3 quintais, iguais em tamanho, mas como era uma descida, um ficava abaixo do outro. A garagem era imensa. Cabiam 3 carros. Havia uma espécie de sótão – uma abertura que permitia acesso à parte inferior do carro.

No vídeo abaixo podemos ver a casa da família Mignone no esplêndido trabalho em computação gráfica realizado no Janela da História, de autoria de Marcus Uchoa.  O projeto mostra, em três dimensões e em movimento, muitas casas da Avenida Paulista no início do século passado. Para conhecer o Janela da História  acesse este link.

Minha mãe deixou a casa com 17 anos e, meu tio, com 13 anos. Ficaram na Avenida Paulista até 15 de junho de 1953. Foram morar bem próximo, na Rua Silvia, onde meu avô comprou o terreno e construiu uma nova casa.

A dona da casa, Ana Azevedo Marques, apesar de ter vendido para outra pessoa, esperou que meu avô construísse a casa da Rua Sílvia. Demorou 9 meses. Depois disso, a casa da Paulista ficou fechada por alguns anos, sendo demolida no começo dos anos 70″.

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Foto atual da casa da Rua Silvia, construída pelo meu avô.

Que bela história que a Loreana compartilhou conosco, não é mesmo?

Depois dessa história típica de imigrantes italianos, verificamos que, entre 1980 e 1983, foi construído neste terreno o edifício que hoje se chama Paulista 407. O projeto arquitetônico é do escritório Croce, Aflalo e Gasperini.

Segundo o livro Arquitetura Avenida Paulista, de Edson Eloy de Souza, o edifício “tem uma configuração monolítica, englobando térreo, sobreloja e torre, abrindo em pilotis (Conjunto de colunas de sustentação) no espaço intermediário. O edifício é mais baixo que os demais do entorno, causando um certo contraste.

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Avenida Paulista 407 – Foto – Fernando O.

O tratamento exterior procurou dar mais corpo ao volume, através dos brises (anteparo para a incidência direta do sol) salientes, recuando o paramento de vidro em relação à estrutura de concreto aparente”.

O primeiro a ocupar o edifício foi o proprietário. Em novembro de 1983, em anúncio publicado no jornal Estadão, é divulgado a chegada da Banca Commerciale Italiana a São Paulo, “em edifício próprio, com total segurança com o moderno circuito interno de TV e um parque de estacionamento com muito conforto”.

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No ano seguinte, o banco lançou um livro ilustrado intitulado “São Paulo 1984” e na primeira página havia um desenho do edifício.

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Anos depois, quem ocupou o prédio foi a também italiana Fiat Automóveis. Pudemos identificar que de 1990 a 2004 a Fiat esteve no prédio, mas acreditamos que pode ter sido por mais tempo. Alguém saberia dizer?

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Durante este período o prédio recebeu o nome das empresas que lá estavam, com a saída da Fiat, ele passou a ser chamado Paulista 407, ou seja, incorporou o seu número ao seu nome.

A Fiat manteve no prédio um espaço cultural onde realizava muitas exposições. Em 1994, promoveu a exposição “Desenhos e Gravuras” de Iberê Camargo. Foram expostas 40 obras produzidas entre 1990 e 94 e nunca mostradas antes.

Atualmente, a operadora OI possui uma loja que está no andar térreo, e outras empresas, como a recém-lançada LIQ, ocupam os andares do pequeno prédio da Avenida Paulista de apenas 6 andares mais o mezanino e térreo.

Finalizando nossa história desta semana, agradecemos imensamente a Loreana que, muito gentilmente, compartilhou conosco a história de sua família e da casa em que moravam na Avenida Paulista.

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A história contada por ela sobre a família Mignone é parecida com a de tantas outras de famílias italianas, inclusive a desta que escreve todos os domingos a Série Avenida Paulista. Minha família, meus avós e tios, também vieram de Castellabate e moraram muitos anos perto da Avenida Paulista, na Rua Treze de Maio, na Bela Vista, e na casa, também mantinham uma pensão com aluguel de quartos.

Peço licença a Loreana para compartilhar uma foto tirada em uma viagem que fiz com minha mãe e irmã em 2013 para a Itália. Na imagem pessoas de minha família – parte daqui e parte de Castellabate – na linda torre, construída com pedras na idade média, da igreja matriz de Castellabate.

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Obrigada, Loreana! Até a próxima semana!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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