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Série Avenida Paulista: da mansão Matarazzo ao Cidade São Paulo – parte 1

A Série Avenida Paulista apresenta a casa do Conde Francisco Matarazzo, que era localizada na esquina da Paulista com a Rua Pamplona, no antigo número 83 da avenida e que seguiu com sua família até meados dos anos 1980, quando foi demolida. Contaremos a história em duas partes, a primeira até os anos 40 quando a mansão foi reconstruída e, a segunda até sua demolição e a construção do Shopping Cidade São Paulo.

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O primeiro proprietário foi Francesco Antonio Maria Matarazzo, que nasceu em Castellabate, uma pequena cidade do sul da Itália e que, aos 27 anos, emigrou para o ainda Império do Brasil. Estabeleceu-se na cidade de Sorocaba atuando no comércio de secos e molhados onde, tempos depois, abriu uma companhia de produção e comércio de banha de porco.

Em 1890, veio para São Paulo e, com os irmãos Giuseppe e Luigi, criou a empresa Matarazzo & Irmãos e começou a importar farinha de trigo dos Estados Unidos. No ano seguinte, formou-se a Companhia Matarazzo S.A. que já contava com 41 acionistas minoritários.

Em 1900, com dificuldades de importação do produto, Francesco construiu um moinho na cidade de São Paulo. A partir desse momento, seu império empresarial se ampliou velozmente, chegando a reunir 365 fábricas por todo o território nacional, e outros negócios como portos, estaleiros, metalúrgicas, moinhos, etc

O resultado do grupo era o um dos maiores do país e, neste período, 6% da população paulistana dependiam de suas fábricas. Em 1911, o conglomerado passou a se chamar Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM).

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Logotipo comemorativo do Centenário da Matarazzo. Outubro1982 – Acervo Everton Calício

A IRFM foi responsável pelo lançamento de diversos produtos que se tornaram muito populares, como os sabonetes Savage e Francis e a marca de massas Petybon. Também, foram o primeiro representante de vendas dos automóveis FIAT no Brasil. Em 1928, participa da fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP).

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Anúncio de 1928 para venda dos automóveis FIAT.

Recebeu do rei da Itália, Vítor Emanuel III, o título nobiliárquico “O Muito Honorável Conde Matarazzo” em reconhecimento aos auxílios milionário, ofertados em dinheiro e mercadorias, que enviava ao país natal durante a Primeira Guerra Mundial

Francesco Matarazzo casou-se com Filomena Sansivieri com quem teve 13 filhos: Giuseppe, Andrea, Ermelino, Teresa, Mariangela, Attilio, Carmela, Lydia, Olga, Ida, Claudia, Francisco Matarazzo Júnior, sucessor do fundador, e Luís Eduardo.

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Primeira Mansão Matarazzo, década de 1910 – Acervo USP

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Em 1896, a primeira residência Matarazzo que foi levantada na Avenida Paulista. Projetada pelos arquitetos italianos Giulio Saltini e Luigi Mancini, em estilo eclético, a casa permaneceu no local até o início dos anos 1940. Na foto acima, a casa é mostrada em 1910, publicado no Acervo Iconográfico Pioneiros e Empreendedores – USP.

Anos depois, entre os nos anos 1920-30, a casa foi adaptada com uma série de mudanças, a partir das aquisições de novos terrenos ao redor, com a construção do nível superior. Nesta primeira fase, a mansão servia como residência do Conde Francesco Matarazzo.

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Primeira residência dos Matarazzo na Avenida Paulista em 1911. Reprodução da revista Fon-Fon Acervo Everton Calício

Na condição de homem mais rico do país e de o italiano mais rico do mundo, com uma fortuna de 20 bilhões de dólares, Matarazzo morre em 10 de dezembro de 1937, após uma crise de uremia, na época tinha a quinta maior fortuna do planeta. Seu enterro atraiu uma multidão calculada em 100 mil pessoas, numa época em que a população da cidade era de um milhão de habitantes.

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Conde Francisco Matarazzo Junior

No início da década de 1940, o Conde Francisco Matarazzo Júnior, o Conde Chiquinho, que foi escolhido como sucessor nas empresas, manda elaborar um novo projeto para a mansão que, por isso, sofreu uma grande reforma em sua estrutura e arquitetura.mattarazzo severo villares - Série Avenida Paulista: da mansão Matarazzo ao Cidade São Paulo - parte 1

Projeto de Severo & Villares para a mansão de Matarazzo na Avenida Paulista.

O projeto é frequentemente atribuído a arquitetos italianos como Marcello Piacentini ou Vittorio Morpurgo, juntamente com Ricardo Severo & Villares, do escritório técnico de Ramos de Azevedo, que realmente fizeram um projeto, mas as tratativas não agradaram a Francesco Matarazzo que resolveu procurar outra alternativa para desenvolver o projeto da casa.

Mais recentemente, em 2013, João Mascarenhas Mateus publica um magnífico artigo com riqueza de detalhes que mostra que foi Tomaso Buzzi, arquiteto italiano, o verdadeiro responsável pelo projeto.

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O projeto H aprovado de Tomaso Buzzi, dos 7 outros apresentados à Matarazzo.
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Detalhes do projeto: Perspectivas da variante H, aprovada. Estudos para o terraço central, com diversas possibilidades de controle da luz solar. O pátio mediterrâneo num ambiente tropical e o frontão com escudo de armas, desenhado sobre fotografia enviada de São Paulo com a portaria existente antes do projeto. (Fonte: Mateus, J. M. – A vila matarazzo na avenida paulista e tomaso buzzi: projeto e obras (1938-1940). Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP v. 20, n. 34 (2013).

As paredes do casarão tinham 60 centímetros de espessura e o pé-direito atingia 4,5 metros de altura. O acabamento e a cor das paredes deveriam combinar com o mármore travertino. Francisco Matarazzo Júnior dispunha de placas de travertino remanescentes do Edifício Matarazzo, atual sede da Prefeitura, que revestiram alguns ambientes da mansão.

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Operários que trabalhavam na construção da casa.
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Uma das últimas etapas da construção, a colocação de vasos e urnas sobre os muros do casarão.

Em seu artigo, Mateus conclui a respeito da construção da mansão:

A vila Matarazzo na avenida Paulista é, antes de mais nada, uma encomenda italiana numa cidade metrópole que se sentia plenamente cosmopolita.

Os Matarazzo eram duplamente brasileiros e italianos, e, por isso, é natural que tenham recorrido a um arquiteto italiano totalmente reconhecido e integrado na elite italiana dessa época, em que os Matarazzo procuravam criar novas raízes, por casamentos e investimentos do mais alto nível.

A gramática usada não é, pois, a do neocolonial ou do modernismo racional. Ela deve fazer ver, de forma elegante, contida e erudita, as raízes e o cosmopolitismo de Francisco Matarazzo Júnior. E, ao mesmo tempo, utilizar materiais representativos da Itália, desde o tradicional travertino, aos expoentes da alta tecnologia, como os rebocos Terranova ou os vidros Securit.

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Outra grandiosidade era o brasão da família de 150 quilos, esculpido em mármore Carrara, que decorava o pórtico de entrada. Logo, o local se tornou um ponto de visitação. Nas histórias que contam sobre o local, uma delas é que o conde Francesco Matarazzo costumava passear pela calçada em frente da propriedade depois do trabalho, e que simpaticamente cumprimentava os transeuntes.

Acompanhe o restante da história no próximo domingo na Série Avenida Paulista

 

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

8 Comentários

  • Muito interessante a matéria, pena esta casa ser demolida de forma tão covarde como várias outras também foram

  • Uma pena a maior parte da história de SP não ser preservada, residências e prédios históricos sendo demolidos, dando espaço a um amontoado de edifícios.
    Estive em alguns pontos históricos de SP neste fim de semana, e é de espantar a beleza dos detalhes e a preocupação com cada um deles.
    Ver lugares como este, que carregam uma parte tão importante de nossa cidade, sendo demolido, sendo apagado, é muito triste.

  • Infelizmente, eu não sei. Acredito que não deva ter sido transformado em ruínas. Existe uma foto da demolição em que estão retirando o brasão.

  • Me lembro bem da casa, passava sempre por ali, quando eu morava na Eugênio de Lima, em 1977.

  • …Bonito mesmo!
    Alias desconhecia até.
    Gosto de coisas antigas/me inspiram em artesanatos que faço.
    Onde tal época devia ser bem + fácil.

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