O casarão que apresentamos nesta semana era localizado na Avenida Paulista, 178 e pertenceu a um francês chamado Ferdinand Pierre. Atualmente, no terreno, está o Edifício Dom Pedro I de Alcântara que, pelo nome, fez uma homenagem ao primeiro imperador brasileiro.
A mansão foi projetada pelo arquiteto Victor Dubugras em 1920 e ficou conhecida como uma das obras mais representativas do movimento “Arquitetura Tradicional Brasileira”, que buscava revalorizar a arquitetura do período colonial.
Ferdinand Pierre foi o representante francês de um grande empreendimento bancário, fundado no Brasil, para financiar a cultura cafeeira: o Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola do Estado de São Paulo. Fundado em 14 de julho de 1909, inicialmente com o controle acionário de capitais franceses (Era preciso dinheiro para aumentar a produção e dinheiro, nessa época, quem tinha era o estrangeiro), liderados pelo banco Joseph Loste & Cie, e tendo como presidente o Sr. Pierre.
O Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola do Estado de S. Paulo tinha sua matriz na Rua São Bento, número 73 e contava com agências em Santos e Ribeirão Preto.
O segundo maior acionista era o Banco do Commercio e Industria de São Paulo S/A e o terceiro, o tesouro do Estado de São Paulo. O banco nasceu por iniciativa do secretário da Fazenda da época, o Sr. Olavo Egídio de Sousa Aranha. Durante todo o período – 10 anos – em que os franceses estiveram à frente do banco, o Sr. Ferdinand Pierre foi seu presidente.
Em 1919, no governo de Altino Arantes, o controle do banco foi nacionalizado, com uma operação que fez o tesouro do Estado de São Paulo se tornar seu acionista majoritário. Naquele ano, o Tesouro junto com o Instituto do Café de São Paulo, passaram a deter 89,6% do capital social.
A denominação social do banco foi alterada para Banco do Estado de São Paulo S. A. Assim nascia o conhecido BANESPA, cuja função prioritária era o financiamento da produção de café. O nome surgiu de uma forma insólita: Banespa era o endereço telegráfico do banco, nome pelo qual passou a ser popularmente conhecido em todo o Brasil.
Voltemos ao casarão da Avenida Paulista. Os elementos arquitetônicos do casarão eram muito diferentes do restante das residências da avenida e reconhecíveis de longe, inclusive à primeira vista, por seus beirais. No livro de Benedito Lima de Toledo, “Álbum Iconográfico da Avenida Paulista”, há um descritivo do próprio Victor Dubugras, relatando como era o projeto deste estilo de construção. Ele registrou assim em seus memoriais:
Cobertura em telhas Sacoman ‘Paulista’. Armadura do telhado em peroba, partes apparentes aparelhadas. Flechaes duplos, paralelos ancorados formando perímetro fechado. Ventiladores no friso do beiral e nos extremos dos espigões. Alvenaria em tijolos e pedra com argamassa de cal e areia. Fundações em tijolos requeimados. Embasamento em pedra bruta ‘arcangicada’. Muros externos em tijolos especiais aparentes rejuntados durante o assentamento. Muros em tijolos comuns.
Seu descritivo pode ser conferido na foto abaixo. Uma casa muito bonita, forte e rústica, diferente das demais da avenida.
Até 1920, a casa aparece na lista telefônica em nome de Ferdinand Pierre. Em 1927, já consta um novo proprietário, o Sr. Veriano Pereira, que inclusive solicitou à Prefeitura, em abril de 1922, o aumento do terreno para garagem.
Recentemente, o blog — quando a cidade era mais gentil, publicou novas imagens da casa e uma história bastante inusitada. O autor do blog, Martin Jayo, comprou em um leilão internacional fotos de uma viagem a São Paulo realizada por um comandante de tropas francesas, Georges Jean Bourgès (1887-1974), que atou em diversas batalhas da primeira guerra.
Ele conta em seu blog que:
“Eram fotos de uma viagem que Bourgès fez à América do Sul entre janeiro e agosto de 1918. A guerra ainda estava rolando, mas pelo jeito ele resolveu deixar os campos de batalha e dar uma passeada, que ninguém é de ferro. Visitou Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo, Rio, Vitória e Salvador. Eu acabei comprando baratinho, pelo lance mínimo, o lote com fotos de São Paulo”.
Durante o período que esteve em São Paulo, entre de março e abril de 1918, o comandante fez passeios, já tradicionais àquela época, como visitar a Estação da Luz, o Vale do Anhangabaú e o Museu do Ipiranga, etc.
Nestes meses hospedou-se na casa do conterrâneo, Ferdinand Pierre, e fotografou a casa da Avenida Paulista, como recordação da estadia na cidade. O blog descreve que “o banqueiro morava com a família numa casa bastante confortável, como se vê em duas das fotos.”
E quem diria, uma linda surpresa, veio junto com estas fotos, como conta o blog:
“E é nos fundos dessa imponente residência de banqueiro que fazemos a grande descoberta. Ali estava situada a casa de bonecas de Jacqueline Pierre, filha de Ferdinand. É sem dúvida uma novidade e tanto: uma charmosa casinha que existiu na Paulista, mas que até agora ninguém conhecia. E ainda por cima com alguma chance de ter sido projetada pelo Dubugras.”
Além de Jacqueline, a linda menina de traça, na foto também podemos ver o Sr. Pierre, com seu chapéu e um cachorro branco que, pela posição, suponhamos que tenha sido bem apegado ao proprietário da casa.
Não sabemos do paradeiro do Sr. Pierre depois que saiu do banco e da casa da Paulista, talvez tenha voltado para a França, mas nestes dez anos, esteve bastante presente na sociedade paulistana.
O nome dele consta em outra empresa, como diretor para o Estado de São Paulo da “União Incendie”, empresa francesa de seguros contra incêndios, com escritório da Rua XV de novembro, 26. Além disso, o francês investiu em terrenos e imóveis.
Certa vez, foi intimidado a extinguir um formigueiro em sua propriedade na Rua Paes Leme (!!!) e teve áreas de terrenos doadas à Prefeitura, em ruas abertas por ele mesmo, dentro de suas propriedades em Pinheiros. Provavelmente onde também se encontrava a Rua Paes Leme.
O francês também foi presente em ações que envolviam o Consulado Francês e até fez parte do Congresso Comercial dos Aliados, entidade em favor dos negócios dos países aliados na Primeira Guerra Mundial e que, talvez, se relacione com a acolhida do Sr. Georges Jean Bourgès em sua casa.
Existem poucas notícias referentes à sua esposa, a Mme. Ferdinand Pierre, em comparecimento de exposições ou em algum evento beneficente. A mais interessante delas foi a ocorrência de um assalto sofrido por ela no caminho de Santos, para embarcar para a Europa. É verdade, tinha violência nesta época também! Mas, engraçado, era tudo muito ingênuo. Vale ler a notícia publicada no jornal Correio Paulistano:
Atualmente, no terreno em que residiu a família do Sr. Ferdinand Pierre está o Edifício Dom Pedro I de Alcântara, na Avenida Paulista, 171. Como dissemos, pelo seu nome, a construtora fez uma homenagem ao primeiro imperador brasileiro.
Trata-se de um antigo edifício residencial que se transformou em comercial a partir de 1980, com uma linguagem mais moderna, e com a construção de um subsolo para garagens.
Uma moradora do edifício disse que, quando era residencial, o prédio tinha janelas com persianas e algumas garagens no fundo do prédio. Atualmente, o prédio conta com 13 andares, com escritórios de 377 a 1.056 m², controle de acesso no prédio por 24 horas e circuito interno de TV com 64 câmeras e escada de incêndio.
Em 30 de maio de 1989, a Brasoftware anunciou no jornal o Estado de São Paulo sua mudança para o prédio.
Não conseguimos maiores informações sobre sua construção, ou a algum fato relevante sobre o edifício. Pesquisando, vimos que o prédio representa aquilo que hoje faz a identidade da Avenida Paulista. Os locatários são de empresas de serviços, muitas delas ligadas à informática e telecomunicações e, ainda, empresas de franquia, empreendedorismo, espaço para coworking e até de casting para modelos.
Paola Goulart
Luciana Cotrim.Boa noite
Também nasci no Hospital Matarazzo em março de 1955.Passei minha infância também no Bixiga.
Sonia, que bacana. Pode ser que tenhamos nos cruzado pelas ruas do Bixiga, não é mesmo?