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Série Avenida Paulista: família Calfat e o Edifício Patrimônio

A Série Avenida Paulista desta semana tratará das casas dos irmãos Calfat. Entre eles, dois moraram em casas próximas, na Paulista durante o início do século passado.

Com origem longínqua, a família Calfat descende de Miguel V Calaphate, que foi um imperador bizantino no ano de 1041 d.C. No Brasil, os Calfat tornaram-se uma família tradicional, admirada e conhecida na sociedade paulista e carioca no século passado.

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Fotocópia do manuscrito sobre Miguel V Calaphate, existente na Coleção Nacional do Museu Bizantino de Athenas.

O casal que deu início à família que veio para cá, chamava-se Jorge e Anastacia Calfat. Eles tiveram 7 filhos: em ordem de nascimento, os homens eram Jorge Elias, Demetrio, Miguel e Gabriel Calfat e as mulheres, Julia, Sophia e Açussena. Os homens nasceram no Líbano, Demetrio em maio de 1880 e Miguel em agosto de 1882. Os dois últimos receberam a cidadania brasileira em dezembro de 1928, que demonstra que elegeram o Brasil como pátria.

Como era comum nesta época, o mais velho dos irmãos, que ficou conhecido apenas como Elias, deu nome à empresa que criaram: a Elias Calfat & irmãos. Ele também foi o primeiro a fixar residência na Avenida Paulista, em uma casa que era localizada entre a Alameda Joaquim Eugenio de Lima e a Rua Carlos Sampaio. Há registros que em 1916 pediu à Prefeitura da cidade para aumentar a construção da residência que se localizava na avenida Paulista, 117.

O Sr. Elias casou-se com Malvina Calfat em Beyruth, aos 18 anos de idade, só depois eles vieram para o Brasil. O casal gerou as filhas Minerva, Arietta, Melanie, Anastácia, Violeta, e o mais velho, o único homem que levou o nome do pai e do avô, Jorge, como é de costume em famílias desta região. E, por fim, a filha caçula que nasceu após o falecimento do Sr. Elias. Sua esposa Malvina estava grávida de 3 meses quando ele se foi, mas deixou um lindo presente: Inês nasceu no dia 25 de dezembro, dia de Natal.

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Foto cedida por Maria Aparecida Calfat Mansur, do casamento de seus pais Inês Calfat e Fuad João Mansur. Sentada, a Sra. Malvina Calfat, viúva de Elias Calfat. Em pé, da esquerda para a direita, estão Arietta, Inês (a noiva) , Jorge, Anastácia, Minerva, Melanie e Violeta.

A família era conhecida na alta sociedade, e sempre estava presente nas ações beneméritas em prol de alguma instituição. Muitas vezes fizeram donativos em dinheiro à Cruz Vermelha e doavam alimentos às famílias necessitadas do distrito da Bela Vista.

Sobre a casa da Avenida Paulista, originalmente tinha sido construída, em 1904, pelo engenheiro Eduardo Loschi. Elias Calfat comprou a casa, e a reformou e ampliou, em 1916, contratando para o projeto e construção o arquiteto francês Victor Dubugras, que transformou a residência em um belo palacete, com elementos decorativos que lembravam o oriente.

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A empresa Elias Calfat & irmãos era estabelecida à Rua Quitanda, 8A. Além de importar e exportar, negociava diversos tipos de produtos. Nos jornais da época, encontram-se notícias de importação de armarinhos, tecidos, Secos&Molhados, vendidos por atacado. O Sr. Elias destacou-se na atividade de importação de gêneros de primeira necessidade e na exportação de café, e por isso era conselheiro consultivo da Associação Comercial de São Paulo.

Com o crescimento acelerado da empresa, seu endereço mudou para a Rua São Bento, e, também, houve a necessidade de ser instalado um depósito para armazenamento dos materiais e, também, uma filial no Rio de Janeiro. Nesta época, já comercializavam muitos outros produtos, inclusive para órgãos públicos, como artigos para limpeza pública, alfafa para os cavalos, telhas de zinco e material asfáltico para o departamento de obras da Prefeitura da cidade.

Os grandes armazéns da empresa foram construídos no bairro da Moóca, local em que muitas firmas construíram galpões de armazenagem naquele período, fato que transformou a região em eminentemente industrial. As edificações de Elias Calfat foram contratadas e realizadas entre 1916 e 1918, com projeto do famoso arquiteto Victor Dubugras e constituem uma relíquia do patrimônio da cidade. São aproximadamente 10.100m² entre as Ruas da Mooca, Palmorino Mônaco e Avenida Alcântara Machado. Atualmente, parte do local ainda é utilizado para o mesmo fim pela empresa Armazéns Gerais Piratininga.

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Construções de Victor Dubugras para indústria de Elias Calfat. Foto: MLD Arquitetura e Restauro.

Também participou ativamente da Câmara de Comercial da Síria no Brasil e, se destacou à época da Primeira Guerra Mundial. O Brasil era considerado um pais neutro, porém as relações entre Brasil e a Alemanha foram abaladas depois que o navio brasileiro Paraná, um dos maiores da marinha mercante, carregado de café, que navegava de acordo com as exigências feitas a países neutros, foi atacado por um submarino alemão, na França, e três brasileiros foram mortos.  Depois de muitas manifestações e ataques a navios, com a pressão popular contra a Alemanha, no dia 26 de outubro de 1917, o Brasil declarou guerra à aliança germânica.

Em abril de 1917, os empresários sírios, entre eles Elias Calfat, constituíram a “Liga Síria Pró-Brasil e Aliados” que foi lançada para promover e defender o Brasil e, principalmente, garantir as exportações de café para a Europa. Várias comissões foram instauradas para cuidar dos interesses do grupo, sendo que Elias Calfat ficou responsável pela comissão do comércio de café e da comissão de despacho e aduaneira, fato que mostra sua importância na economia da época.  Muitos desses empresários enviaram para a guerra armamentos de todos os tipos – espoletas, estopins, pólvora, chumbo, etc.

Logo após esse período, Elias Calfat adoeceu e foi fazer um tratamento na cidade de Santos, onde veio a falecer em setembro de 1918. Foi velado na casa da Avenida Paulista e enterrado com pompas no Cemitério da Consolação. Seu túmulo, como de seu irmão Demetrio, são exemplares de arte tumular da cidade de São Paulo.

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Arte tumular nos jazigos da família Calfat, no detalhe busto e rosto de Demetrio Calfat.

Neste período, os irmãos Demetrio, Miguel e Gabriel já haviam fixado residência nas proximidades, o palacete de Demetrio ficava na Avenida Paulista esquina com a Manuel da Nóbrega, quase em frente à casa de Elias.

Nas pesquisas digitais constam que a mansão de Demetrio era localizada na Avenida Paulista, 523, na numeração atual. As imagens deste palacete mostram uma construção lindíssima, tanto na parte externa como internamente, como podemos ver nas fotografias abaixo. O engenheiro responsável pelo projeto desta residência foi Alfredo Ernesto Becker, que tinha um estilo eclético, sendo que em seus trabalhos conviviam a linguagem neoclássica monumental, mais tradicional, até os geometrismos mais modernistas.

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Em fotos de 1941, o palacete de Demetrio Calfat na Avenida Paulista, 523.

A última referência desta casa encontra-se no site Memória Política e Resistência, que é um espaço criado para promover o acesso à documentação do acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo relativas às lutas políticas e sociais no estado. Nas fichas e prontuários há o seguinte registro: JOÃO DEMETRIO CALFAT, nacionalidade Brasileira, residente na Av. Paulista, 523. Muito provavelmente era um descendente – filho ou neto – de Demetrio Calfat.

O irmão Miguel morava em uma casa na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, na numeração antiga 275, a três quadras da Paulista e o Gabriel, numa travessa da mesma avenida. O neto de Miguel, o Sr Carlos Eduardo Calfat Salem, contou algumas histórias da família e disse que o palacete de seu avô era muito parecido com o do seu tio-avô, Demetrio, como vemos na imagem abaixo do casarão de Miguel Calfat.

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Também compartilhou conosco a foto de seu avô e a do casamento de seus pais, Gerogette Calfat e Eduardo Salem, um enlace que uniu duas famílias tradicionais sírias que moravam na Avenida Paulista, os Calfat e os Salem.

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Miguel Calfat, o terceiro irmão da família Calfat vinda para o Brasil.
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Casamento de Gerogette Calfat e Eduardo Salem. As e fotos foram fotografadas de fotos originais por Marcus Vinicius Uchoa de Mendonça.

Dos irmãos, Miguel Calfat foi o último sucessor dos negócios da empresa, que se transformou nas Indústrias Têxteis  Calfat, que tinha sua primeira fábrica na Avenida Brigadeiro Luis Antonio, em frente à Doceria Pão de Açúcar, pertencente ao pai de Abílio Diniz, que hoje é considerada a primeira loja da rede de supermercados. No início, quando a empresa ainda era chamada de Contofício Calfat, os artigos eram transportados em caminhões com este que aparece abaixo. cotonficio 500x313 - Série Avenida Paulista: família Calfat e o Edifício PatrimônioNo lugar onde era localizada a casa de Elias Calfat, em meados anos 1980, foi construído um dos edifícios da Fundação Getulio Vargas, localizado no número 548 da Paulista e chamado Torre Luis Simões Lopes, em homenagem a um dos fundadores da FGV. Mais detalhes podem ser vistos no post do casarão do Tomaselli, que à época era vizinho de Elias Calfat.

A residência de Demetrio deu lugar a um grande edifício com uma galeria de lojas voltadas para a rua: o Edifício Patrimônio (sugestivo e interessante este nome, não é mesmo?).

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patrimonio Filipe Garcia 500x281 - Série Avenida Paulista: família Calfat e o Edifício PatrimônioA autoria do projeto do edifício é do arquiteto Roger Zmekol e a construção foi da empresa Figueiredo Ferraz, que o entregou em 1976. Sua estrutura conta com 23.000 m² e 21 andares. O prédio recebeu uma antena em sua torre para atender a Rádio Eldorado, que fica em suas instalações.

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No andar térreo, entre suas lojas, está a tradicional Livraria Martins Fontes, em uma área de 1000 metros quadrados, dentro do edifício, sendo que desde 1997, comercializa mais de 120 mil títulos, entre livros nacionais e importados. Conta ainda com um gostoso café com acesso à internet. Vale a visita.
Livraria Martins Fontes  500x333 - Série Avenida Paulista: família Calfat e o Edifício PatrimônioEm 2011, como parte de uma ação promocional da marca de goma de mascar Trident, o ator Caio Castro, atravessou a avenida Paulista em tirolesa a 78 metros de altura e 130 metros de comprimento. O local do início foi no Edifício Patrimônio e a chegada no Edifício Regina, do outro lado, na Paulista, 568. Cada coisa que acontece!

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Tirosela no Edifício Patrimônio. Foto: Agnews.

Terminamos a história de hoje com uma linda imagem da Avenida Paulista a partir do alto do Edifício Patrimônio.Até a próxima semana!

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Edifício Patrimônio. Foto: Filipe Garcia

 

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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