Esta semana, a Série Avenida Paulista traz uma nova surpresa: a história de vida da Baronesa de Arary, relatada por sua tataraneta, Maria Luiza Coimbra. A baronesa morava na Avenida Paulista, 64 na numeração antiga, em um extraordinário palacete ao lado do Parque Siqueira Campos, conhecido como Trianon. Anteriormente, tínhamos publicado a história na série, que pode ser lida neste link.
Agradecemos infinitamente a preciosa gentileza de Maria Luiza, que se disponibilizou a resgatar, em sua memória e nas fotos antigas de família, uma bela narrativa da vida desta grande mulher, moradora da Avenida Paulista.
Vamos à história da Baronesa de Arary contada por sua tataraneta, Maria Luiza!
Não tive muitos anos para conviver com minha tataravó, Maria Dalmacia Lacerda Guimaraes, Baronesa de Arary. Ela viveu 101 anos, mas naquela época nós não morávamos em São Paulo e não tínhamos oportunidade de visitá-la com muita frequência em sua residência na Avenida Paulista.
Meu avô, Cesario Coimbra, que era seu neto, faleceu muito cedo e deixou um condomínio de fazendas de café no interior paulista. Então meu pai, que na época tinha apenas 28 anos, ficou a cargo de administrar as terras produtivas. Nossa residência era em uma das fazendas, na cidade de Presidente Alves, na região noroeste do estado. Quando vínhamos a São Paulo, algumas vezes nos hospedávamos em sua casa. E é desses raros momentos que guardo algumas lembranças.
Dindinha, que era como a chamávamos, era filha do Barão de Araras. Ele, Bento Lacerda Guimarães e seu irmão, José Lacerda Guimarães, Barão de Arary, foram os fundadores da cidade de Araras.
Consta que o Barão de Arary, tio de Maria Dalmacia, foi pedir sua mão em casamento para seu filho, mas decidiu ele mesmo se casar com ela, em segunda núpcias. Portanto, ela era ao mesmo tempo sobrinha e esposa do Barão de Arary. Casou -se aos 14 anos e, me lembro de um comentário de alguém da família, que após o casamento, quando se mudou para sua nova residência, levou sua boneca.
Ela teve 5 Filhos: Albano e Maria Otilia, que não tiveram filhos; Celina, teve 2 filhas – Cecilia e Luizita. Leonilda teve uma filha, Leontina. Clotilde, teve 2 filhos – Laura, que não se casou e Cesario Coimbra, meu avô. Sou bisneta de Clotilde, que se casou com Rodolfo Coimbra. Depois que ficou viúva, minha bisavó passou a morar com sua mãe no mesmo casarão da Avenida Paulista.
Na foto estão reunidos todos descendentes diretos da Baronesa, do ramo Lacerda Guimaräes. Não tenho certeza do motivo dessa reunião, mas o ano com certeza é 1946, pois minha irmã Cecilinha, que está no colo da minha mãe nasceu nesse ano. Mamãe está usando um vestido preto de bolas brancas. De pé atrás dela, está meu pai, Rodolpho Coimbra, comigo no colo. Além de meus pais, os parentes mais próximos são os irmãos de meu pai, Horacio Coimbra, Celina da Cunha Bueno e Maria America Coimbra de Andrade. E também meus avós Cesario e Mequinha Coimbra. Pela data, talvez pudesse ser a comemoração dos 95 anos da Baronesa. Ela está sentada no centro do grupo, toda de preto. É a quinta pessoa da esquerda para a direita.
Na imagem logo abaixo, realizada em uma das salas da casa da Avenida Paulista, vemos, da esquerda para a direita: a Baronesa de Arary, meu avô Cesario, com Maria Carolina no colo. Ao seu lado sua mãe, minha bisavó Clotilde, esposa de Rodolfo Coimbra. De pé, Maria América Coimbra de Andrade, mãe de Carolina.
A diferença de idade entre a Baronesa e sua filha Clotilde era pequena, e me lembro bem de uma cena, quando íamos visitá-las. Minha tataravó já beirava os 100 anos. Elas ficavam sentadas num salão, em 2 cadeiras, lado a lado, usavam vestidos longos, de cor escura. Os pés da Baronesa ficavam sempre apoiados em um banquinho baixo.
Ela quase não se levantava, mas ao caminhar, não tirava os pés do chão, dava pequenos passos arrastados. Nos pés, pantufas de veludo preto. Para mim, uma garotinha de 6 anos, elas pareciam personagens saídas dos contos infantis, talvez um pouco assustadoras, nos seus vestidos austeros e escuros. Um cenário meio solene, e eu sentia uma mistura de medo e de curiosidade.
A Baronesa costumava usar jabots de renda enfeitando seus vestidos e esse tipo de vestimenta, pouco comum, me transportava mais ainda para o meu imaginário infantil, por não ser um tipo de roupa que se usava na época. Ainda tenho guardados alguns de seus jabots.
Alguns fatos foram lembrados por minha prima Maria Carolina. Após o almoço, ela pedia licença para se retirar da mesa e subia aos seus aposentos. Lá, ela tomava seu licor e completava fumando um cigarrinho.
Uma vez, quando não se sentia bem, o médico da família veio examiná-la. Na saída, recomendou que repousasse e fizesse uma dieta mais leve, evitando comidas pesadas ou muito condimentadas. Quando o médico se retirou, ela chamou o mordomo e escolheu o menu do jantar: frutos do mar acompanhado de um vinho branco bem gelado.
Ela fumou até seus últimos anos. Meu avô, Cesario Coimbra, era seu único neto – e ela o adorava! – quando ia visitá-la, se ela estivesse fumando, levava o braço para trás, tentando esconder o cigarro nas costas e não se dava conta que a fumacinha subia por trás….
Guardo outras lembranças da mansão, como o elevador! A casa tinha 3 andares, e o elevador era forrado de veludo verde, num tom de pistache. Haviam 2 bancos laterais e a porta era pantográfica, se fechando com um grande ruído. Me lembro que no térreo, o elevador se abria do outro lado também, dando para a cozinha.
O pé direito da casa era muito alto e os aposentos dos andares de cima se abriam para uma galeria. Não havia telhado sobre esse vão central, o forro era formado apenas por um grande vitral redondo, desenhado com várias cores e sua luz banhava tudo com seus raios coloridos.
Havia um porão no subsolo, que era um lugar usado como uma enorme dispensa. Era uma área movimentada, com empregados circulando, cuidando da grande atividade da casa, um ruído constante de máquinas, acredito que seria a engrenagem do elevador.
Minha tataravó mudou- se em 1916 para o palacete que mandou construir na Avenida Paulista, com projeto do arquiteto francês Victor Dubugras. Ela foi a única representante da antiga nobreza imperial a residir na avenida. Nessa época os moradores eram principalmente empresários, profissionais liberais e imigrantes.
Era um enorme casarão branco, na esquina com a Rua Peixoto Gomide. O Trianon ficava ao lado da casa e diversas vezes fomos passear no parque. A imponente estátua de mármore branco de Anhanguera na entrada me dava medo, com sua cara ameaçadora, me parecia ser o guardião do parque.
Naquela época era comum ir observar os bichos-preguiça no alto das árvores. Na volta, nós, crianças, nos reuníamos na sala de almoço para comer geleia de mocotó.
Antes de mudar-se para a Avenida Paulista em 1916, a Baronesa morou num palacete nos Campos Elíseos, na Alameda do Triunfo número 37. Nos dias de hoje, essa rua se chama Alameda Cleveland, e a residência era localizada na esquina com Rua Helvetia. A Baronesa morou nesse imóvel no final do século 19 e início do século 20, antes de encomendar a Victor Dubugras o projeto de seu casarão na Paulista.
Depois da sua mudança para a Paulista, o casarão foi ocupado pelo Grupo Escolar Alameda do Triunfo. Essa escola havia sido fundada em 1900 e era localizada na mesma rua, mas um pouco mais distante. Com o passar dos anos, a escola ficou pequena e, em 1926, foi transferida para o casarão que havia sido da Baronesa.
O palacete foi demolido, mas, até hoje, se pode ter uma noção da sua imponência através do único item que resistiu ao passar dos anos: o seu magnífico portão.
A Fazenda Montevideo, com 3.321 alqueires no Município de Araras, está intimamente ligada à vida da Baronesa. Ela foi fundada em 1848 por José de Lacerda, o Barão de Arary, que viria a ser seu esposo. Ele e seu irmão Bento, o Barão de Araras, que fundaram a cidade de Araras, que naquela época era apenas uma pequena vila.
A fazenda era uma das maiores produtoras de café da região. A Baronesa de Arary dividia seu tempo entre a fazenda e seu palacete na cidade de Araras.
Antiga residência do Barão de Arary, que, depois de seu falecimento, em 1929, se tornou o Palace Hotel, e nesta imagem foi fotografada em 1949. Em 1887, lá esteve D. Pedro II e sua comitiva quando José Guimarães recebeu o título de Barão. Foi demolida em 1981 para a construção do Banco Itaú.
Na entrada da sede da fazenda, na varanda, havia um painel de azulejos portugueses, em homenagem à sua fundação, que retratava São José e o menino Jesus, com os seguintes dizeres “José de Lacerda Guimarães, Barão de Arary, fundou esta fazenda Montevideo, no ano de 1848”.
Com o tempo essa grande propriedade foi dividida, surgindo outras fazendas, como a Palmeiras, São Bento, Nova Granada, Empyreo, Peroba e Capitório, localizadas algumas já no município de Leme.
Em 1992, a casa da sede da fazenda foi tombada como patrimônio histórico pelo COMPHAC – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Artístico, Paisagístico e Cultural – e atualmente pertence a um banco.
Frequentei a fazenda algumas vezes quando era pequena e alguns fatos ficaram bem marcados em minha memória. Havia um quadro na parede que foi feito com os fios de cabelo da Baronesa.
À distância, o desenho de seu rosto parecia ser feito em nanquim, com traços negros, bem delicados, como se fossem desenhados com uma ponta fina, talvez bico de pena, mas ao se aproximar se descobria que no lugar dos traços, na realidade o desenho havia sido feito com seus próprios fios de cabelo!
Tenho lembranças de alguns cômodos. A cozinha enorme, com pé direito alto, onde havia uma mesa muito comprida e um fogão antigo, de lenha, de 6 bocas. Por alguma razão, na minha cabecinha de criança de 6 ou 7 anos, gravei essa imagem, que se transformou no cenário da história de Joao e Maria, quando a família se reunia para jantar na cozinha.
Saindo pela porta da cozinha, para o jardim, havia uma casinha de boneca. Não sei para qual das meninas havia sido construída no passado longínquo, mas, na minha época, a lembrança que tenho era de que quem brincava na casinha havia sido minha tia Celina, irmã de meu pai, que era bisneta da Baronesa.
Caminhando por esse jardim, havia uma passagem em direção a um bosque, que era circundado por uma cerca viva e fechado por um portão. Novamente entra em ação minha imaginação fértil de criança, onde Chapeuzinho Vermelho entra por esse mesmo bosque, passeando por seus caminhos entre as árvores frondosas a caminho da casa da Vovozinha. Eu era alertada por meus pais para não abrir o portão e entrar no bosque sozinha, da mesma forma que acontece na história de Chapeuzinho Vermelho, que desobedece seus pais e se aventura sozinha pela floresta.
Minha avó, Mequinha Coimbra, filha de Horacio Sabino e meu avô, Cesario Coimbra, neto da Baronesa, nos jardins da fazenda. Ele se tornou o gestor dos negócios da Baronesa de Arary.
Meu pai, Rodolpho Coimbra, mesmo nome de seu avô, em 1924, brincando com o filho de um dos colonos da fazenda, em frente à sede da fazenda Montevideo.
Minha bisavó, Clotilde Lacerda Coimbra, e seu marido, Rodolfo Coimbra. Em pé, seus filhos: Cesario Coimbra, meu avô, ainda solteiro e Laura Coimbra, que chamávamos de tia Laly. Essa foto, de 1909, deve ter sido feita em estúdio, porque me parece que o fundo é um cenário.
Tia Laly nunca se casou. Durante minha juventude me lembro que ela sempre morou em alguma capital fora do Brasil. Escolhia um bom hotel, situado num bairro central onde pudesse estar próxima dos lugares, tipo lojas ou restaurantes. Durante anos fez dos hotéis, sua residência. Morou em Lisboa, Paris, Rio de Janeiro, Buenos Aires e, em São Paulo também. Morou em hotel até sua morte em 1980.
Meus pais se casaram no dia 28 de dezembro de 1943. Eles formavam um belo casal, ele o rapaz mais bonito da turma, cobiçado pelas moças “casadoiras”, e minha mãe de uma beleza exuberante, descendente de italianos. Na foto do casamento, estão suas damas de honra: Sylvia Sabino Laraya, prima-irmã de meu pai, e à direita a irmã caçula de minha mãe, chamada Maria Luiza. Ela morreu no ano seguinte aos 18 anos, por isso quando nasci, logo em seguida, me deram o mesmo nome que ela. A garotinha na frente é minha prima Maria Thereza da Silva Prado.
Voltando para a Baronesa de Arary!
A Baronesa foi uma mulher muito avançada para sua época, quando o papel reservado a mulher era geralmente dedicado às atividades domésticas.
Ela era animada por um forte patriotismo, ultrapassou os limites do lar e exerceu grande influência nas lutas que se desenrolaram ao redor de sua família e de sua pessoa. Participou diretamente nos movimentos políticos iniciados em Araras, num processo que se chamou Dissidência, ao lado de políticos e pessoas influentes, como Prudente de Morais, Cerqueira Cesar e Julio Mesquita. Muitas vezes abriu as portas de sua residência em Araras para participar ativamente das reuniões lá realizadas. Mostrou sempre uma inteligência vivíssima na defesa de seus princípios.
Seu genro Rodolfo Coimbra era médico, mas se dedicava à essas questões políticas, sendo muito atuante. Foi um dos dirigentes desse movimento que mais tarde resultou no surgimento do Partido Municipal de Araras, fundado por seu filho Cesario Coimbra. Movimento que depois se espalhou por outras cidades do Estado de São Paulo, sendo a primeira organização política municipal de combate à situação dominante.
Meu avô, também participou da Revolução Constitucionalista em 1932 com Julio de Mesquita, Armando de Salles Oliveira, etc. e acabou sendo exilado para Lisboa por 2 anos juntamente com seus compatriotas. Meu pai Rodolpho e meu tio Horacio também foram.
As meninas Celina e Maria America ficaram no Brasil, sob os cuidados das tias……um detalhe divertido: minha avó Mequinha, que acompanhou o marido ao exilio, era muito espirituosa! Gostava tanto de Lisboa que dizia que a cidade deveria se chamar “ Lisótima”!!.
Filantropa, Maria Dalmacia foi uma cidadã muito generosa, participando em muitas ações sociais e fazendo altas contribuições para várias entidades. Foi presidente da Maternidade São Paulo por bastante tempo, posição que não se limitou apenas à ajuda financeira, mas também, desempenhando parte ativa na administração do hospital.
Tendo o privilégio de viver por mais de 1 século, mantendo a lucidez até o fim, esteve envolvida nos mais importantes momentos da vida política do país. Com sua morte em 11 de julho de 1952, foi-se uma das últimas representantes da aristocracia rural e da nobreza imperial. Foi uma admirável figura de mulher, que ao longo de 100 anos de vida deixou um luminoso traço de sua passagem.
Uma mulher incrível, a Baronesa de Arary! Sua história foi compartilhada por outra mulher surpreendente, Maria Luiza, que nos concedeu essa oportunidade de conhecer sua tataravó.
A melhor notícia é que Maria Luiza continua conosco, contando a história de seu outro bisavô, Horacio Sabino, que também morava na Avenida Paulista. Aguardem!
Maravilhosa história! Sempre tive curiosidade em conhecer sobre a baronesa, pois morei por 20 anos no prédio que veio a surgir após a venda da casa.
Que bom que gostou, muito obrigada.
Interessante saber também sobre a fazenda Empyreos, que fica em Leme e pertencia à Olívia Guedes Penteado.
Olá, sou ta-tataraneto da Baronesa, filho de Roberto Coimbra de Andrade.
Fui eu quem bati a foto de 2007… E me lembro que a foto “surgiu” pois estava triste em ver tantas ervas e outras folhagens crescendo no telhado da casa… Lembro que houve até uma grande pancada d’água em que eu não sabia onde chovia mais, dentro ou fora da Sede. Então sabia que aquela poderia marcar um declínio ainda maior daquela propriedade.
Outra coisa, na imagem em que aparece as cinco gerações, há o quadro do Barão de Arary ao fundo. A baronesa possui um quadro igual (mas com o corpo olhando para direita), que foi pintado muito depois do quadro do marido, para que a idade parecesse mais próxima. Ambos estão na Sede da fazenda, lado a lado, um de frente para o outro, na sala principal. Mas, os olhos dele e dela, nos quadros, possuem um efeito de perspectiva em que eles estão sempre olhando para você, independente do ângulo que o observe… Isso me arrepiava e por isso sempre passava pela sala correndo o mais rápido que podia, para não correr o risco de trocar olhares com as figuras. E se não podia correr, pelas regras de quem estivesse ali, não ousava levantar o olhar.
Enfim, obrigado pelo artigo. Pude entender bem melhor a genealogia da família. E não, não conheço a Sra. Maria Luiza… A família era grande e não houve nenhum natal juntos.
Outra coisa muito louca: sou paulistano mas somente em 2005 descobri que o tal prédio era homenagem à baronesa. Pois, em 2005, minha esposa morou ali para estudar nos cursinhos pre-vestibular da frei caneca, onde a conheci. Hoje moramos em Ilhabela e temos um filho, que possui as covas no queixo como as de Cesário Coimbra… 🙂
Até breve,
Thiago
Estudei no Joao kopke colegio que situava na casa da baronesa na al. cleveland e sempre tive fascinação pela historia do casarão, que ja não existe… talvez vc pudesse nos contar onde esta enterrada a baronesa e seu marido.