Chamava-se Villa Fortunata.
O número 1.853 da Avenida Paulista na esquina com a Alameda Ministro Rocha Azevedo foi residência do paulistano René Thiollier entre 1913 e 1968. Como o nome sugere, a Villa Fortunata era uma das edificações mais imponentes da avenida. Projetada por Augusto Freid, a mansão, como tantas outras, recebeu a influência europeia e foi construída no estilo eclético, muito em voga na época.
A casa, construída em 1903, foi batizada em homenagem à esposa de Alexandre Honoré Marie Thiollier, que se chamava Fortunata de Souza e Castro. Muito trabalhador, ele foi guarda-livros, livreiro, sócio e proprietário da primeira livraria de São Paulo, a Casa Garroux, depois que Anatole Garraux saiu da sociedade. Conta-se que, em meados de 1878, Alexandre conheceu Fortunata: Encontraram-se num rinque de patinação e apaixonaram-se ao som do Danúbio Azul.
No período da construção do palacete, a Avenida Paulista ainda era distante do centro da cidade e o local era utilizado como casa de campo, para o lazer da família, que morava na Rua XV de novembro, no número 60, no centro da cidade, local onde atualmente está estabelecido o Restaurante Bovinu’s.
Em 1909, Alexandre Honoré viajou para a Europa para tratamento da saúde e resolveu alugar o casarão. A família Burle Marx alugou a mansão. Na época, o casal esperava o quarto filho, que nasceu na Villa Fortunata, e viria a ser Roberto Burle Marx, o paisagista mais reconhecido e celebrado do Brasil.
Em 1913, o Sr. Thiollier faleceu em Paris, e como era seu desejo, foi trazido para ser sepultado no Cemitério da Consolação. Depois da saída da família Burle Marx, que foi morar no Rio de Janeiro em 1913, o filho, René Thiollier, passou a residir no casarão e viveu lá até a sua morte em 1968.
Paulistano, René Thiollier, nasceu numa travessa da Praça da Sé, no centro de São Paulo, no dia 29 de janeiro de 1882. Formou-se advogado na Faculdade do Largo São Francisco. Casou-se em 1910 com Sylvia Teixeira de Carvalho, sua prima, com que teve dois filhos: Maria Nazareth e Alexandre.
Intelectual e escritor, colaborou com inúmeros jornais e revistas, tais como “Diário Popular”, a “Gazeta”, a edição paulista do “Jornal do Comércio”, o “Correio Paulistano”, o “O Estado de São Paulo”, a “Revista do Brasil”, a “Cigarra”, etc. Em 1906, foi fundador com Júlio Prestes da Revista “A Musa”. Seu trabalho foi muito bem recebido e festejado à época.
Foi membro e secretário da Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira número 12, além de fundador e diretor da Revista da Academia por mais de 15 anos. Em 1919, em sua faceta de ator, representou no Teatro Municipal, o “Contratador de Diamantes” de Afonso Arinos e, em seguida, com Goffredo da Silva Telles e Aguiar d’ Andrada, a peça “A Ceia dos Cardeais”, de Júlio Dantas.
Ficou muito conhecido por ter sido um dos principais mecenas da importante Semana de Arte Moderna de 1922. Como empresário, foi ele que alugou o Teatro Municipal para sua realização. Na época, os jovens modernistas necessitavam de apoio político e financeiro e para cobrir essas necessidades surgiram mecenas como René Thiollier, além de Paulo Prado, Dª. Olívia Penteado e outros.
Segundo o blog Idea, René Thiollier “deu uma contribuição enorme a essa terra em que nasceu e que amou tanto: São Paulo e (..) teve um papel fundamental para que a Semana de Arte Moderna em 1922 acontecesse.
Muitas vezes, na Villa Fortunata, René promovia jantares e saraus, frequentados por artistas e intelectuais, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, Menotti Del Picchia, Monteiro Lobato que foi casado com Purezinha, prima direta do proprietário da casa, e muitos nomes que produziram a Semana da Arte Moderna e que fizeram parte da história paulista.
Em 1930, Júlio Prestes, Presidente do Brasil, convidou René para chanceler e, nesta ocasião, participou da Revolução Constitucionalista de 1932, sendo organizador do Batalhão de homens de 30 a 50 anos, chamado de Liga da Defesa Paulista.
Muito versátil, ele também foi um dos empresários que participou da fundação do TBC – Teatro Brasileiro de Comédia no dia 11 de outubro de 1948. O paulista de coração faleceu em sua casa, a antiga casa de campo dos Thiolliers, a Villa Fortunata, aos 24 de outubro de 1968. Na sua vida, a fidelidade foi uma constante: foi fiel a si mesmo, fiel a seus ancestrais, fiel a São Paulo, que tanto amou.
Segundo o site Migalhas, foi escrito “um amoroso artigo de Alexandre Thiollier sobre o seu pai René Thiollier. A preciosidade textual está em uma separata da Revista da Academia Paulista de Letras, doada à biblioteca de Migalhas em 2004 pelo advogado Alexandre Thiollier Filho”.
Mais que isso: uma bela história de família que remonta aos anos 1200, na França. Vale a leitura. Dele foi retirado o trecho abaixo que descreve a Villa Fortunata.
Foi nessa época que meu avô Alexandre resolveu construir uma casa de campo na parte alta da cidade. Não havia lugar de melhores ares do que a Avenida Paulista, posto que longe do centro e ainda carente de serviços essenciais. A despeito disso, adquiriu em 1903 uma grande área da antiga Chácara da Bela Cintra na esquina da rua Jundiahy, hoje Rocha Azevedo. Augusto Fried, o arquiteto, atendendo-lhe o pedido, implanta a casa num dos vértices do terreno para preservar a maior parte possível da mata virgem do Caaguassú, que se juntava, sem interrupção, à vegetação cerrada do imóvel do vizinho. Uma tal floresta, densa e fechada, parecia intransponível por seus cipós e espinheiro que, à noite, hospedavam miríades de vaga-lumes e, pela manhã, se engalanavam com as pérolas brilhantes das orvalhadas teias de aranha. Um verdadeiro espetáculo, a merecer os versos de Keats: “a thing of beauty is a joy for ever”. Denominada “Villa Fortunata”, a vivenda, ampla e confortável, com um torreão que a encimava, foi a casa de campo dos Thiolliers até o falecimento de Alexandre, na sua residência de Paris.
O casarão foi demolido em 1972, como tantos outros palacetes originais da Avenida Paulista. O terreno de 5,4 mil metros quadrados, com cerca de 200 árvores remanescentes da Mata Atlântica, pertenceu ao Banerj – Banco do Estado do Rio de Janeiro e chegou a abrigar um estacionamento. Em 1992, foi tombado pelo Conpres – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, devido à representativa área verde.
Em 18 de abril de 2008, por meio do Decreto nº 49.418, do prefeito Gilberto Kassab, a Prefeitura de São Paulo criou para o local o parque que recebeu o nome de Prefeito Mario Covas. Decisão que recebeu críticas da família Thiollier e de outros paulistanos.
Neste período, quando tramitava na Câmara Municipal um projeto que propunha a denominação do parque, um grupo de artistas lutou para que o parque recebesse o nome de René Thiollier. A manifestação foi liderada pela filha dele, a Sra.Nazareth Thiollier, com quase 90 anos na época. Infelizmente, não conseguiram e hoje temos lá….
Parque Municipal Prefeito Mario Covas.
Inaugurado no dia 24 de janeiro de 2010, nas comemorações do 456º aniversário de São Paulo, o Parque Prefeito Mário Covas conta com bicicletário, pérgula, um paraciclo, sanitários e uma Central de Informação Turística Paulista (CIT Paulista), administrada pela São Paulo Turismo (SPTuris, empresa de turismo e eventos da cidade de São Paulo). A obra foi custeada pelo Banco Itaú sendo avaliada em R$700 milhões na época.
Segundo o site da Prefeitura de São Paulo, “o parque preserva uma das áreas verdes da região da Avenida Paulista e sua implantação foi realizada em parceria com a Subprefeitura. Apresenta vegetação composta por bosque heterogêneo com sub-bosque ornamentado por aráceas, bromeliáceas e commelináceas. Dentre as espécies arbóreas, destacam-se abacateiro, cafeeiro, cedro, figueira-da-índia, figueira-mata-pau, grumixama, mangueira, paineira, passuaré, pinheiro-do-paraná e tapiá-guaçu.
Há também materiais disponíveis, como guias turísticos, culturais, de compras, além de mapas da cidade e folhetos de diferentes atrativos para visitação.
Serviço:
Parque Prefeito Mário Covas – Horário de funcionamento: diariamente, das 7h às 18h.
CIT Paulista – Horário de funcionamento: diariamente, das 9h às 18h.
Av. Paulista, 1853 – Bela Vista – Centro – São Paulo. Tel.: (11) 3289-2160.
As belas fotos publicadas do Parque Prefeito Mário Covas, que podem ser vistas abaixo, abaixo são do site “Áreas Verdes das Cidades“, no link http://www.areasverdesdascidades.com.br/2012/02/parque-prefeito-mario-covas.html
Celina Thiollier Pereira De Almeida Boscoli, lembrei de você.
Obrigada esse foi o lugar da minha infância como foi tb a casa de Higienópolis da Vovó Zeze mãe do meu pai.Tivemos uma infância maeavilhosa
Celina, foi um prazer escrever este texto sobre uma casa e uma família responsáveis por construir parte da nossa história. E é maior a satisfação de saber que o texto chegou até você. Caso queira, fique à vontade para acrescentar ou corrigir alguma informação do texto ou publicar alguma foto. Muito obrigada. Sobre outras casas da Paulista estão sendo publicadas aqui: http://spcity.com.br/categoria/sp-antigo-e-moderno/
Celina, foi um prazer escrever este texto sobre uma casa e uma família responsáveis por construir parte da nossa história. E é maior a satisfação de saber que o texto chegou até você. Caso queira, fique à vontade para acrescentar ou corrigir alguma informação do texto ou publicar alguma foto. Muito obrigada. Sobre outras casas da Paulista estão sendo publicadas aqui no menu SP Antigo&Moderno
Luciana fico muito feliz por poder lembrar com carinho da minha infância e juventude.
Nossa família do lado Thiollier ainda conserva a primeira propriedade da família construída em 1860.Essa propriedade é minha e das minhas 2 irmãs.Do lado do meu pai conservamos uma
fazenda que ainda é usada por 5 gerações.Isso me consola bastante,ainda não perdemos a nossa história.
Tenho outra informação.V querendo saber mais detalhes a respeito de meu avô René,Tio Ale seu filho escreveu um artigo lindo sobre vovô na revista Migalhas.
Falou sobre o parentesco dele, com Purezinha mulher de Monteiro Lobato,etc
O artigo é longo mas com riqueza de detalhes.
Celina, boa noite. Muito obrigada pela resposta. No texto que escrevi cito a revista Migalhas e, inclusive, coloquei no post um trecho lindo que descreve a Villa Fortunata (lá está também o link para a revista). O texto de seu tio Alexandre é belíssimo. Uma curiosidade: essa casa que está conservada é em São Paulo? Se preferir, pode me responder por mensagem. Muito agradecida,…
Sim
Emocionante a história da família e o incentivo às artes. Ainda que o nome do parque não tenha homenageado o ilustre morador, infelizmente pouco conhecido pela população, há um ponto positivo no destino do terreno: é talvez o único que escapou de se transformar em mais uma desnecessária torre corporativa na região já saturada.
Embora pequeno, o Parque Mário Covas é um pequeno oásis e o posto de informações turísticas ali instalado é bem melhor que o quiosque anterior, na calçada diante do Parque Trianon. Ali podem ser obtidos gratuitamente guias impressos de programação cultural. Pena que a Time Out Brasil não edite mais sua revista impressa, da qual cheguei a participar. Vendida em bancas de jornal, era possível obtê-la ali, também sem custo para o cidadão.
Uma pequena correção na grafia do nome do hotel onde se deu o encontro dos protagonistas da semana de 22. É “Terminus”, sem “h”. Talvez a digitação tenha sido influenciada pelas menções à família Thiollier.
Os hotéis de São Paulo são um capítulo à parte, com seus interessantes selos para bagagens, como mostrado nesta coleção. O Terminus está lá: http://www.saopauloantiga.com.br/a-historia-das-etiquetas-de-bagagens-dos-hoteis-de-sao-paulo/
Carlos Alkmin muito obrigada pela correção. Não sei dizer o que aconteceu. Melhor ainda foi você compartilhar este link com as etiquetas dos hotéis: uma mais bela que a outra, contam história com design bacana.
Carlos Alkmin Seria mais bacana se a casa tivesse sido preservada, mas eu concordo com você que o parque é muito bacana e, principalmente, porque conservam várias espécies de plantas nativas.
Mais um domingo com um texto muito interessante, com um resgate da nossa memória e história de um casarão da paulista e, que agora virou parque e que fiquei com vontade de conhecer.
Obrigada, Dora. Vale a pena ir até lá.
Tive a oportunidade de conhecer pessoalmente a Dna.Nazareth Thiollier nos últimos 5 anos de sua vida.
Era uma ótima pessoa e excelente artista plástica. Cheguei a ganhar dela uma cópia em bronze da mão dela. Guardo com carinho até hoje.
Escutei muitas histórias sobre a família dela, tanto do lado paterno quanto do lado materno.
Lembro da luta incansável pela mudança de nome da praça Mário Covas para René Thiollier, mas o interesse político falou mais alto.
Tenho alguns adesivos da campanha que ela organizou…boas lembranças.
Conheço esse pequeno oasis verde, pena que a casa não foi preservada
Bom dia, Luciana. Sabe se é possível consultar a planta da casa no Arquivo Histórico Municipal de São Paulo?