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Série Avenida Paulista: a casa de Assad Abdalla

Depois de mais de dois anos publicando a Série Avenida Paulista, sabemos que grande parte da ocupação da avenida foi realizada pelos sírio-libaneses. Eles formaram a segunda geração de casas construídas na Avenida Paulista e, com certeza, a que mais se identificou pelo estilo arquitetônico e iniciativas socioculturais na região.  Assad Abdalla foi um exemplo especial desta geração.

No início da Série Avenida Paulista, apresentamos a história de Assad Abdalla, que morou na Avenida Paulista, no antigo número 65, ao lado do MASP, que pode ser lida neste link.

Depois de ter contato com alguns membros da família, foi possível ter acesso a muitas outras informações e lindas imagens inéditas, que justificaram este novo texto. Nos trechos apresentados entre aspas, que são grande parte deste artigo, e todas as imagens foram publicadas no livro comemorativo “Família Assad Abdalla & Corgie Haddad – 1903 – 2003”, uma homenagem aos cem anos do matrimônio do casal e que, com grande alegria, recebi de presente da família.

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Um gesto incrível de alguns descendentes compartilhar com todos nós essa linda história, que é fundamental para a Avenida Paulista e a identidade paulistana. Agradeço, especialmente, à Denise que me trouxe o lindo livro e CD sobre a família, onde pude me basear para este relato. Agradeço também à Laís, Sandra e Arthur por informações complementares. Vamos a história!

“Assad Abdalla Haddad nasceu em Homs, Síria, em 1870.  Em 1895, aos 25 anos, devido à difícil situação econômica em seu país, emigra para São Paulo, com seu primo Nagib Salem e outros conterrâneos”.

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Assad Abdalla

“Começa a mascatear, por conta de patrícios, carregando nas costas a grande caixa, cheia de armarinhos, chamando os fregueses ao som da matraca, pelas ruas da Penha, Santana e arredores. Meses depois, tanto Assad como Nagib já trabalhavam por conta própria.

Com quase 30 anos, constitui a firma Assad Abdalla & Cia, composta dos sócios Nagib Salem, do primo Nagi Haddad e do sobrinho Salim Salomão. Montam duas lojas, uma na 25 de março e outra na Rua João Alfredo, atual General Carneiro. Em fins de 1902, a sociedade com o primo Nagib e o sobrinho se desfaz e nova firma se constitui: a Assad Abdalla e Nagib Salem”.

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Casamento de Assad Abdalla e Corgie em 1903.

“Aos 33 anos, em 14 de fevereiro de 1903, casa-se em São Paulo, com a prima Corgie Haddad, de 22 anos, irmã de Nagi, que a “encomendara” vinda de Homs.

Em 1906 Assad e o sócio resolvem criar um fundo de reserva, para a aquisição e construção de imóveis em geral.  Assim, neste mesmo ano foi adquirida a primeira propriedade: a casa onde nasceu Nabih, na rua São Lázaro, travessa da São Caetano.

Em 1907 foi comprada uma casa com chácara na rua da Consolação, onde em 1909 nasceu Wagih. Neste mesmo ano, foram compradas duas lojas na 25 de março, que foram demolidas, e em 1910, no número 141, hoje 595, foi construída a sede da firma Assad Abdalla e Nagib Salem, a abreviatura AA&NS, – como pode ser vista na foto abaixo -, ainda hoje permanece no prédio da Rua 25 de março”.

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“No pavimento superior, moravam as duas famílias (Abdalla e Salem). Foi nesta casa que nasceram todos os outros filhos. O casal teve 10 filhos: Nabiha, Nabih, Wagih, Wagiha, Josephina, Malvina, Helena, Rosinha, Ernesto e Odette. Assad sempre dizia que devia a esposa grande parte de seu sucesso.

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À frente, Assad Abdalla e Corgie e, atrás, as filhas Helena, Rosinha e Malvina, em viagem à Poços de Caldas.

“Em 1912, obedecendo ao princípio de retirar anualmente metade dos lucros e aplicá-los em imóveis, Assad e Nagib compram na periferia de São Paulo, na região do Tatuapé, cerca de um milhão de metros quadrados. As ruas foram abertas em 1914, com dezesseis metros de largura, retas e planas, com o escoamento perfeito da água.

A venda ao Corinthians, de uma área de 45.000 metros quadrados, se deu em 18 de agosto de 1926, por 750 contos de réis, a ser pago em 12 anos.

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A área do Parque São Jorge, vendida ao Corinthians, que, na época, ficou conhecida como Fazendinha. O terreno era repleto de árvores, com o Rio Tietê logo ao lado. Já havia um campo de futebol com arquibancadas, praça de esportes, campo de tênis e salão de dança, formando uma estrutura de base perfeita para o início da história do time. Foto de 1938.

“Em 1932 desfaz a sociedade com Nagib Salem. Em 1936 compra uma fábrica de fiação e tecelagem na cidade de Salto de Itu e, em 1941 funda em São Paulo as Indústrias Santa Virgínia de Fiação e Tecelagem. Em fins de 1945, compra em Niterói, no Rio de Janeiro, a Companhia Manufatura Fluminense de Tecidos”.

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Cartão/ correspondência que mostra o endereço da loja na Rua 25 de março e das fábricas Santa Virginia, em São Paulo, e Fiação Tecelagem Salto, na cidade de Salto.

Ao longo dos anos, a família de Assad Abdalla ampliou sua atuação em outros segmentos. Fundou a Industria York S/A, que produzia produtos cirúrgicos e plásticos, que foi em 1977 unida à Têxtil Assad Abdalla, formando a York S.A. Indústria e Comércio.

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Foto, realizada em 2003, da entrada da loja Doural.

Com o falecimento de Assad, seu filho Nabih herdou a propriedade da Rua 25 de março, mas, como era industrial e não comerciante, alugou o imóvel até 1966, quando então seu filho Assad aí se instalou, criando a Doural, que lá permanece até hoje.

A avenida Paulista entrou na vida dos Abdalla no início da década de 1920.  Segundo o livro: “em 1921, Abdalla adquire uma propriedade na Avenida Paulista, 65, atual número 1636, e transfere a residência da família da Rua 25 de Março para o novo endereço, consolidando assim a sua ascensão social”.

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Na escadaria da entrada da casa da Avenida Paulista, estão Wagiha e seu marido, Miguel, com o menino Sergio.

A casa foi comprada de Feliciano Lebre, que tinha uma loja muito fina na Rua Direita. Quando o Sr. Assad Abdalla comprou o imóvel, o arquiteto Malta o reformou. A Sra. Corgie Haddad Abdalla, viúva do Sr. Assad Abdalla, morou lá, até o seu falecimento em 1970.

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D. Corgie.

A casa tinha 4 andares, havia uma sala de jantar grande, sala de almoço, ampla sala de visitas, salão árabe e salão de jogos, sala de estudos entre outros ambientes.

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Hall, 1930.

O hall com o piso em mármore preto e branco no formato de estrela, e os vitraux coloridos eram impressionantes.

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Sala de jantar composta com móveis suntuosos de madeira entalhada, um relógio carrilhão ao fundo, cortinas e um lindo tapete persa.

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A sala de visitas apresenta móveis em estilo eclético – francês, árabe, persa, com vários objetos decorativos e um grande espelho ao fundo. Nesta foto, vê-se o desenho da linda pintura das paredes e os entalhes do teto. Nota-se almofadas decoradas no chão, provavelmente, por causa de algum costume árabe, que a família mantinha.

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Na sala de visitas, Assad, Corgie e Assis Chateaubriand, em 1942, sentados no sofá que se vê, ao fundo, na foto acima.

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Do porão, dava para o jardim com chafariz, donde se avistava toda São Paulo. Atrás, a vista da Rua Carlos Comenale. Ao fundo, o jardim embaixo com o pergolado que proporcionava uma vista bem ampla para toda São Paulo.

O jardim de inverno era todo envidraçado e, do alto, tinha-se uma vista panorâmica da Avenida Nove de Julho até o centro da cidade. Nesta sala, os móveis de madeira clara, como se usava nos anos 1940, e os estofados confortáveis e florais davam ao ambiente, usado pela família no dia a dia, uma sensação acolhedora e agradável. Pena não termos imagens desta época.

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Na foto, no centro, D. Corgie, ladeada pelas suas filhas Wagiha e Josephina, nas pontas esquerda e direita respectivamente.

Na lateral da casa, uma vista direta para o Belvedere Trianon, onde se realizavam bailes de carnaval da elite da época.

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Na foto, à esquerda, Nabiha e, na escadinha, começando com Henriette (Dolly) Ernesto, Josefina, Odette e Leonor (Baby).

O belo desenho do jardim, bem cuidado, com vista para o Belvedere.

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A entrega do novo automóvel Lincoln, pelo presidente da Ford do Brasil, ao casal Assad e Corgie, na frente da casa, onde podemos ver os lindos detalhes da escada e da varanda.

Houve 5 casamentos de filhos e netos de Assad Abdalla realizados na casa. Os matrimônios os foram de Nabih e Victoria, Helena e Eduardo, Rosinha e José, Odette e Abrahão e Marina e Flavio. Este último casal, são netos de Abdalla e primos entre si.

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Três dos casamentos realizados na casa: Nabih e Victoria, que se casaram em 1938, Odette e Abrahão, em 1948, e Helena e Eduardo, em 1942.

A casa recebeu muitas festividades e foi lugar de convívio de toda a família durante muitos anos. Eram vários os passeios que a família fazia nos arredores da Paulista.

Como para todas famílias da Paulista, o corso carnavalesco era um programa muito esperado, as famílias se planejavam, faziam fantasias, se o automóvel da família não fosse conversível, alugam carros sem capota, para que toda a família pudesse acompanhar o corso e, claro, as moças eram as primeiras a ir em cima da capota. Por muitos anos, entre as décadas de 1920 e 1930, o corso foi para todos, uma grande diversão.

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Na foto, da esquerda para a direita, Wagiha, Josefina e Malvina, de chapéus iguais, prontas para irem ao corso carnavalesco.

Outro programa bastante típico das famílias que moravam na avenida, eram os passeios ao Parque Trianon, projetado por Paul Villon, atualmente chamado Parque Siqueira Campos, e ao Belvedere do Trianon, onde hoje se localiza o MASP. As famílias geralmente visitavam os locais aos finais de semana e, no meio da semana, via-se muitas crianças com suas babás no parque.

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Josefina e Wagiha, com amigas, e a caçula Odette, à direita. As duas crianças são Baby e Dolly.

Mais inesperado e desconhecido para a maioria de nós é poder ver uma criança empurrando seu próprio carrinho, em uma rua tranquila e arborizada, à frente da casa de sua família. Pois é assim, que Vivian, uma garotinha feliz e sorridente se mostra nesta foto de 1940.

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Vivian, neta, empurra seu carrinho no Parque Siqueira Campos. Ao fundo, no outro lado da rua, vê-se a casa de seus avós.

A família, e seus descendentes, viveram e conviveram na casa por quase 50 anos. A decisão de demolição foi dada pelo engenheiro Ernesto Assad Abdalla, herdeiro da propriedade, com o falecimento de sua mãe, Dona Corgie, em 1970. O imóvel sofreu uma parcial permuta para a Gafisa pelos idos 2010.

O seu espírito benemérito foi outra característica marcante na vida de Assad Abdalla, como podemos ver no livro comemorativo, que descreve que “além da vida familiar e empresarial, Assad, profundamente religioso, incentivou projetos da colônia síria nas áreas educacional, religiosa, recreativa e social, fazendo doações importantes ou liderando coleta de fundos”.

Em 1943/1944 fez ao Clube Homs uma grande contribuição para a aquisição da sede da Avenida Paulista e, em 1948, fez a doação da biblioteca, que leva o seu nome.

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Em 1945, na ocasião do 50º aniversário da chegada dos sírios no Brasil, o Clube Homs fez uma homenagem à Assad Abdalla, presidente de honra do Homs, Nagib Salem e Taufik Camasmie, paraninfos do clube.

Na Catedral Ortodoxa, em 30 de maio de 1943, faz a colocação da pedra fundamental; como sendo o maior contribuinte e um grande arrecadador de recursos para a sua construção, que premia a cidade com sua imponência e beleza arquitetônica.

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Catedral Metropolitana Ortodoxa, localizada no bairro do Paraíso.

Em 1929, para o Orfanato Sírio, hoje Lar Sírio Pró-Infância, viabilizou a construção de três casas para aluguel, com renda convertida para a instituição e, em 1935, foi responsável pela doação do “Pavilhão Central” e, ainda, em 1948, fez a doação da Escola Assad Abdalla.

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Linda edificação fotografada em 1935. Atualmente, o prédio doado abriga o Centro Cultural Assad Abdalla do Lar Sírio Pró-Infância, que fica na Rua Serra de Bragança, no Tatuapé.

Assad falece em São Paulo em 21/4/1950, aos 80 anos. De acordo com o Jornal Brasil-Líbano de 22/5/1950:

“O féretro foi carregado pelos seus filhos, genros e parentes mais próximos, revezando-se com os representantes das sociedades e instituições, percorrendo a pé a Avenida Paulista, num cortejo do qual não se via o fim. Depois de atravessarem seis quarteirões, chegaram ao Clube Homs, onde os diretores deste clube carregaram o ataúde do falecido presidente honorário. Após terem colocado o ataúde no carro fúnebre, o cortejo seguiu para a Catedral Ortodoxa e, de lá, depois de homenagens, o cortejo se dirigiu ao Cemitério da Consolação”.

Por fim e, talvez o mais emocionante, é que 100 anos depois da data do casamento de Assad e Corgie, toda a família e seus descendentes se reuniram para festejar essa bela caminhada de um estrangeiro que vem para o Brasil fazer a vida e, mais do que isso, fez muito por sua família, mas, mais ainda, pela comunidade síria no Brasil e pela cidade. Uma linda e merecida comemoração.

E nós só temos a agradecer à Sandra, Denise, Arthur e Lais e tantos outros que tivemos contato por dividir conosco essa história familiar de superação e construção, que hoje faz parte da memória, da Avenida Paulista e da cidade de São Paulo.

Finalizamos o artigo de hoje da Série Avenida Paulista, cum um proverbio árabe, muito utilizado por Assad Abdalla:

O homem inteligente é aquele que valoriza seu tempo.

Até a próxima semana!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

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