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Série Avenida Paulista: da casa de José Pucci ao Edifício Louis Pasteur

Nesta semana, a Série Avenida Paulista apresenta uma residência inédita, até hoje pouco divulgada: a casa de José Pucci, que era localizada onde hoje se encontra o Edifício Louis Pasteur.

Quem vai contar a história dessa casa, hoje e na próxima semana, é o bisneto do proprietário: Rodrigo Pucci Müller, a quem agradecemos a gentil contribuição e compartilhamento da narrativa familiar na casa da Avenida Paulista.

Com vocês, o texto de Rodrigo:

O número 346, originalmente 133A, da Avenida Paulista, na esquina com a rua Carlos Sampaio foi a residência da família Pucci, de 1929 a 1958.

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José Pucci em um dos vários terraços da mansão da Avenida Paulista. Este, em específico, era o terraço do porão, que se tinha acesso pela sala de jogos.

O sr. Giuseppe Pucci nasceu em 31 de outubro de 1875 no sul da Calábria, em Zangarona, província de Catanzaro. Era filho de Pasquale Pucci e Caterina Ruperto. Formou-se engenheiro, ainda na Itália, provavelmente por volta da década de 1890.  Porém, com a difícil situação econômica do sul da Itália em fins do século XIX, início do XX, ele veio tentar a sorte no Brasil.

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Pasquale Pucci e Caterina Ruperto, pais de José Pucci.

Já no Brasil, alterou seu nome para José Pucci. Isso aconteceu com muitos estrangeiros que procuravam se adaptar ao novo país, ao ponto de abrasileirar seus nomes, alguns até chegaram a pedir a cidadania brasileira.

Em São Paulo, José Pucci chegou carregando uma carta de recomendação aos cuidados do Cavaglieri Luigi Schiffini, ou cavaleiro Luiz Schiffini, que era um importante industrial e comerciante italiano, já radicado em São Paulo há muitos anos. O cav. Schiffini presidia a “Società Calabresi Uniti” (Sociedade dos Calabreses Unidos), que dava apoio aos imigrantes vindos desta região italiana.

Ele também possuía um importante centro comercial de chapéus e bengalas importados para os senhores da elite paulistana, a “Monzini & Schiffini”, na região central de São Paulo, na av. São João e na rua Líbero Badaró.

O cav. Schiffini era primo de membros da  família Lombardi, que possuía comércio na região do Brás, a “Vicente Lombardi & Companhia”. Tanto que era padrinho de uma das meninas da família Lombardi, a Ambrosia Rachel.

Através dele, José Pucci conheceu a família Lombardi, e especialmente Rachel, com quem veio a noivar e casar. O casamento de José Pucci e Rachel Lombardi ocorreu em 07 de outubro de 1905.

O casal residiu, num primeiro momento, na região da Consolação. Depois, mudaram-se, por volta de 1916/1917, para uma residência na avenida Brigadeiro Luís Antônio.

José e Rachel Pucci tiveram nove filhos, todos com nomes compostos: Paschoal Armando, Mário Edgard Henrique, Renato Nestor Waldemar, Filomena Edmea (que era chamada por toda a família pelo seu apelido, “Nuce”), João Ricciotti, Roberto Orlando, Flávio Aurélio José, Eleonora Diana Margherita (que também era conhecida apenas por seu apelido, “Nana”) e Marcello Cláudio Federico. O primogênito nascera em 1906, e o caçula, em 1921. Todos os filhos estudaram no Colégio Dante Alighieri, na Alameda Jaú, onde se reunia a maior parte da classe média e alta italiana da época.

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Em foto realizada no final da década de 1940, o casal Pucci posa com os nove filhos no terraço da mansão da Avenida Paulista. Na foto, atrás, Waldemar, Marcello e João e, à frente, Filomena (Nuce), Orlando, José Pucci, Flávio, Eleonora (Nana), D. Rachel, Mário e Armando.

Já na década de 1920, com a renda do trabalho de engenheiro de José Pucci, a família, já estava melhor estruturada.  José Pucci mandou os três filhos mais velhos estudarem em Roma. Por volta de 1926/1927, o próprio José decidiu retornar à Itália com toda a família, onde viveram em Roma por cerca de um ano.

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Notícia do retorno da família Pucci ao Brasil publicada no semanário italiano Il Pasquino.

Retornaram ao Brasil em 1928, e alugaram uma casa na rua Arthur Prado, no Paraíso. Nesse mesmo ano, o engenheiro adquiriu um terreno para construir sua nova residência na avenida Paulista. A construção começou em fins de 1928 e terminou em fins de 1929, no antigo número 133A, que, depois de 1930, mudou a numeração para 346.

O projeto foi elaborado, em todos os detalhes, pelo próprio José Pucci, desde o desenho dos portões e detalhes nas paredes até os aspectos arquitetônicos mais marcantes da fachada. Como era um engenheiro meticuloso, Pucci registrou em fotografias todas as etapas da construção da casa, com explicações no verso de cada uma, escritas em italiano, que mostramos a seguir:

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Primeira etapa da construção da mansão da avenida Paulista. Na primeira foto, a frase “operai che misturano il concreto” (operários que misturam o concreto), 3 de dezembro de 1928. Ao fundo, observa-se a casa de Azevedo Marques, onde hoje é o prédio da galeria Monti Mare. Na segunda foto, “Frente da avenida Paulista e Carlos Sampaio”. A fachada da Paulista é a do canto direito, a lateral da casa é a parte mais comprida, na rua Carlos Sampaio.

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Segunda etapa da construção da mansão da avenida Paulista. No primeiro registro, “Vista di frente 23 – 1 – 29 – punto finale” E, no segundo, “Vista dalla rua Carlos Sampaio 23 – 1 – 29 Punto finale”. Esta é a vista dos fundos da casa, de quem sobe a rua Carlos Sampaio em direção à avenida Paulista.

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Na placa branca, da primeira foto da segunda etapa vê-se a numeração antiga da avenida no muro improvisado da construção: 133A junto com a palavra “tinta”, provavelmente indicando que havia sido pintado.

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Terceira etapa da construção da mansão, com fotos da vista da fachada da avenida Paulista. À direita, a inscrição “Com telhas e sem telhas 8 – 2 – 29” e, à esquerda, “Telhado prompto (pronto) pondo as cumieiras 18 – 2- 29.” (Cumeeiras são as peças que fazem a interseção das duas águas de um telhado).

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Última etapa da construção. 24 de maio de 1929, Vista do lado oposto da avenida. À direita da foto o sentido Paraíso, e à esquerda o sentido Consolação. Ao canto, a casa de Azevedo Marques.

As grades do portão da rua, desenhadas por José Pucci, davam acesso a um lindo jardim frontal que possuía arbustos baixos. Nesta área externa, o jardim continuava pela lateral da Carlos Sampaio, onde haviam árvores frutíferas, como pé de Romã e de jabuticaba. Nos fundos, um galinheiro e uma parreira carregada de uvas completavam com o quintal. A garagem possuía vagas para dois automóveis, além do quarto do chauffeur, e um quarto do forno, onde se fazia pão. Atravessando o o jardim da frente, deparava-se com uma escadaria de mármore que levava a um terraço, decorado com arcos.

Tal detalhe arquitetônico remetia à casa natal de José Pucci em Zangarona, que possuía o mesmo estilo de terraço com arcos na fachada da casa. Caso curioso, José Pucci não se lembrava de tal fato. Somente em 1966, quando sua neta Ebe visitou a casa da Itália, e trouxe a foto para seu avô ver, ele afirmara que não se recordava de tais detalhes. Foi um detalhe que se manteve em seu subconsciente quando planejara a construção da casa.

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Página 124 do livro “Brás, Pinheiros e Jardins: três bairros, três mundos”, escrito pela neta de José Pucci, a historiadora Ebe Reale, publicado em 1982 pela Livraria Pioneira Editora – Editora da Universidade de São Paulo.

Na parte de cima da página, consta a foto da casa natal de José Pucci, em Zangarona, na Itália, que ainda existe hoje. Abaixo, a construção da Paulista que recorda o estilo de sua primeira residência.

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Fase final da construção da mansão da Paulista. 1929.

No interior da casa, o hall social da entrada da casa se abria com enormes portas de madeira de jacarandá, decoradas com vitrais coloridos, que iluminavam todo o ambiente com diversas cores quando batia a luz do sol. Colunas de mármore decoravam o hall, junto da escadaria que levava ao piso superior.

Este primeiro hall dava acesso às seguintes salas: sala de visitas, sala de música, escritório de José Pucci (que quase nunca era usado, ele usava outro no subsolo), e a sala de jantar. Um dos ambientes mais recordados pelos netos é a sala de jantar, cujas paredes eram todas de madeira de jacarandá talhadas, e os lustres eram de alabastro.

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Uma das salas contígua ao hall maior, com as portas de madeira com vitrais, e as colunas de mármore que também estavam presentes no hall. Na foto, José Pucci, com as duas filhas, Nana e Nuce, e sua filha e primeira neta dele, Ebe, que se tornaria historiadora e a escritora do livro mencionado acima.

O piso térreo ainda contava com outro hall menor, que chamavam de “hall do telefone”, onde estava a escadaria para o andar superior. Ao longo da escada, um enorme vitral com as iniciais, em italiano, do proprietário: GP. (Giuseppe Pucci). Esse hall dava acesso a sala de almoço, e ao quarto de costura, de onde se acessava o terraço dos fundos. Em seguida, ainda, tinham a copa, a enorme cozinha e a despensa. Na área dos empregados, uma escada em caracol dava acesso aos três andares da mansão: subsolo, térreo, e piso superior.

Havia, ainda, uma ala, com quarto, sala e banheiro, que era o quarto de hóspedes. Esta ala ficava no térreo porque não deveria se comunicar com a área íntima da família no andar superior. Era costume as casas da época possuírem este tipo de aposento, seria uma ofensa receber um hóspede e não abrigá-lo na casa. Este local, geralmente abrigava um primo do interior de D. Rachel, quando ele vinha para São Paulo. Os pais de Ebe, Nuce e Miguel, moraram nesta ala entre 1935-1941, ano em que se mudaram para outra residência.

Havia um porão enorme, com piso de mármore. Nele havia diversos cômodos e, em um deles, havia uma mesa oficial de jogos  de ping-pong, para a diversão da família. Havia também diversos escritórios, um quarto de guardar malas, dois quartos de empregada, uma lavanderia interna (havia outra externa), e um imenso quarto de passar a ferro. Neste, havia um alçapão no chão, que se abria para uma escada que dava acesso a uma cave/adega, onde se guardavam os vinhos.

No andar superior, um amplo hall dava acesso aos quartos da família. Lá, diversas cômodas guardavam todos os lençóis e toalhas da casa.  Havia 4 quartos à disposição dos 7 filhos homens, um para o primogênito, e os outros ocupados por dois irmãos cada. Somente um banheiro atendia estes 4 quartos. Na frente, voltado para a avenida Paulista, estava a ala do casal Pucci, com quarto, sala e banheiro. Havia, ainda, o quarto de Nuce e Nana, na lateral, que compartilhavam o mesmo banheiro dos pais.

O quarto principal do casal também se encontrava numa “ala” separada do restante do corredor por uma porta. Neste espaço, havia uma antecâmara na qual o sr. José Pucci tinha à sua disposição os serviços de barbearia. Havia o banheiro, um outro cômodo com uma enorme mesa de mármore, e os aposentos do casal.

Durante a década de 1930, a mansão esteve lotada com a plenitude de seus moradores, mas, ao longo da década de 1940, cada um dos filhos foi se casando e mudando para suas novas casas, todas próximas da avenida Paulista. Em 1949, faleceu D. Rachel.

Em 1957, residiam na mansão apenas o sr. José Pucci, seu filho, Orlando, que permanecera solteiro, e sua filha Eleonora com sua filha, Liliana, neta do proprietário. Pelo fato de a mansão já estar grande demais, e para ajudar seu filho, o sr. José Pucci optou pela venda da mansão em 1958.

Após a venda, o sr. José Pucci fez um acordo com quem adquirira o terreno para erguer o novo prédio, e comprou cerca de 10 conjuntos comerciais do edifício para repartir entre seus filhos, como forma de preservar a herança daquela casa.

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Foto: Firas Freitas

O edifício mencionado, localizado na Avenida Paulista, 352, é exatamente o mesmo que permanece no local. Foi levantado pela construtora Quota Empreendimentos Imobiliários e, na época, foi batizado com o nome de Louis Pasteur. É possível que tenha recebido este nome por conta do Instituto Pasteur, que fica na esquina, diagonalmente oposta da avenida. A construção com 17 andares, tem um total de 105 salas, sendo ocupadas por pequenas e médias empresas.

Um de seus primeiros ocupantes foi a FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. O site da instituição informa, que em 1962, “o governador Carvalho Pinto decidiu conceder à nova instituição uma dotação de US$ 2,7 milhões para a formação de um patrimônio rentável”, e esse investimento permitiu que a FAPESP comprasse o 14º andar do edifício, para ser a sua primeira sede própria, que funcionou até 1977.

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Edifício Louis Pasteur, primeira sede própria da FAPESP. (Foto: FAPESP)

O andar foi vendido para a USP – Universidade de São Paulo. A transação foi alvo de protesto, como pode ser lido na matéria “USP pode ser investigada por gasto de R$ 30 milhões em terrenos e imóveis” de Cleyton Vilarino, do Jornal do Campus, publicado em 7 de abril de 2011, que descreve que “os conjuntos comerciais e vagas adquiridas pertenciam à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que, por se tratar de órgão estadual, dispensou processo licitatório”.

A matéria informa sobre a compra de “um andar comercial do edifício Luis Pasteur, onde está instalada a empresa Avipam Turismo e Tecnologia, adquirido por R$ 3,6 milhões”. Atualmente, a empresa Avipam ocupa o 13º andar do edifício.

A USP anunciou a venda dos conjuntos em 2014. O preço reajustado seria de 4, 3 milhões, mas no mercado, valeria, 9,5 milhões.

Em sua história, uma ocorrência desagradável aconteceu em 19 de junho de 1992: o prédio sofreu um assalto. Durante a madrugada, ladrões entrarem nos escritórios de 8 andares.

Outro fato inusitado, a ocorrência de um incêndio no prédio no feriado de 7 de setembro de 2006 e, vejam onde: na empresa Avipam. Segundo o G!, “o fogo começou por volta das 10h45, no 13º andar do edifício localizado no número 352 da avenida, por causa de um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado”. O resultado foi prejuízo e duas vítimas, uma delas teve queimaduras na face e nas pernas e, a outra, teve uma intoxicação.

Atualmente, no prédio está o escritório da empresa Sal Cisne e, no andar térreo, encontra-se uma tradicional loja do Fran’s Café, que funciona 24 horas. Uma boa pedida para um cafezinho.

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Foto: Café’s Paulista

Hoje vimos a história de uma das residências fascinantes construídas na Avenida Paulista: a mansão da família Pucci. A boa notícia é que ela não acaba por aqui. Na próxima semana, Rodrigo continuará a contar como era a vida nesta linda casa. Boa semana a todos!

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Luciana Cotrim
the authorLuciana Cotrim
Paulistana até a alma, nasceu no Hospital Matarazzo, no coração de São Paulo. Passou parte da vida entre as festas da igreja Nossa Senhora Achiropita, os desfiles da Escola de Samba Vai-Vai e as baladas da 13 de maio no bairro da Bela Vista, para os mais íntimos, o Bixiga. Estudou no Sumaré, trabalhou na Berrini e hoje mora em Moema. Gosta de explorar a história e atualidades de São Paulo e escreveu um livro chamado “Ponte Estaiada – construção de sentidos para São Paulo” resultado de seu mestrado em Comunicação e Semiótica na PUC. É consultora em planejamento de comunicação e professora de pós-graduação no Senac.

3 Comentários

  • O mais interessante nessas fotos é que mesmo nessa época da construção da residência e a descrição das etapas contidas no verso delas, ainda sim o proprietário ainda denominava o logradouro como Avenida Paulista e não como Avenida Carlos de Campos, pois a avenida tinha mudado de nome entre 1927 e 1930, ou seja, antes do início da construção e a conclusão da obra. Sinal de que realmente nem todos tinham aderido ao novo nome da avenida. Parabéns pela matéria!

  • Parabéns pela matéria! Gostaria de saber se acaso há alguma informação de que o José Pucci proprietário desta residência tenha sido também, além de engenheiro, projetista de teatros? Sou do Programa de Pós Graduação em História Social pela USP e estudo o Theatro Municipal de São João da Boa Vista que, por coincidência, foi projetado por um José Pucci, que assinava “J. Pucci”.

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